quarta-feira, 27 de maio de 2015

Coragem ou covardia, eis a questão


O célebre monólogo criado por William Shakespeare no ato 3, cena 1 da peça “A trágica história de Hamlet, príncipe da Dinamarca”, pode ser interpretado como bilhete de um suicida, embora não seja este, a rigor, o contexto imaginado pelo autor. O principal personagem desse drama cogita claramente dessa saída para seus problemas, o que fica explícito neste trecho da sua fala:

“(...) Pois quem suportaria o açoite
e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado,
as delongas da lei,
A prepotência do mando, e o achincalhe
Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? (...)”.

Após a leitura desse trecho específico, emerge, automática e instintivamente esta pergunta em nossa mente: “Se o príncipe acha intoleráveis ‘o insulto do mundo, a afronta do opressor, o desdém do orgulhoso, o amor humilhado, as delongas da lei, a prepotência do mando e o achincalhe dos inúteis’, por que não recorreu ao expediente que entendeu ser a solução para todos esses males: o punhal?” No enredo, foi por medo, por puro medo. Pelo temor da incerteza do desconhecido. Pela desconfiança de que a morte não seria, ou poderia não ser, o fim de tudo e que ela poderia até mesmo reservar sofrimentos e humilhações muito maiores do que os suportados em vida. É o que o príncipe diz na sequência do monólogo:

“ (...) Quem agüentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida servil,
Senão, porque o terror de alguma
coisa após a morte -
O país não descoberto, de cujos confins
Jamais voltou nenhum viajante
nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar males que já temos,
A fugirmos para outros que desconhecemos? (...)”

A conclusão do desesperado príncipe vai contra a do senso comum. Conclui: “E assim a reflexão faz todos nós covardes”. Mas seria, mesmo, covardia buscar soluções menos radicais para os problemas que nos assoberbam, não importa quais e nem sua intensidade ou se trataria de atitude inteligente e de bom senso? A avaliação do mundo, feita pelo personagem, é sumamente pessimista. Ele fala como se todos os males que elenca sejam incontornáveis e se “todos nós” passaríamos por eles em algum momento da vida. Eles podem ocorrer (e ocorrem), sim, mas vez ou outra. Mas raramente vêm de forma simultânea. Dependem das circunstâncias de cada um.

Qual a atitude que poderia ser classificada de covardia: enfrentar os males e vicissitudes, mesmo em desvantagem, ou fugir deles, e da própria vida, ainda mais sem saber se há ou não um “depois” e, se houver, qual ele é? O suicídio é um dos temas mais delicados e mais complicados de se julgar. Alguém só recorre a ele em momentos de extremo desespero. O que a pessoa que cogita dessa atitude precisa não é de críticas, de sermões e muito menos de julgamentos. Requer compreensão e imediata e urgente ajuda. Não raro esta chega (quando chega) muito tarde. Com todo o medo que o suicida possa sentir do desconhecido (e certamente sente), é preciso muita sabedoria, paciência e bom senso para demovê-lo.

Uma das coisas que mais me orgulho na vida é a de haver contribuído para que uma pessoa, no mais absoluto desespero, escapasse de morrer pelas próprias mãos como se preparava para fazer e desistisse, em cima da hora, de optar por esse trágico caminho. Não foi a inteligência que contou nesse dramático episódio. Foi a instintiva sensibilidade que brotou nem sei de onde do meu corpo e “contaminou” o potencial suicida, já que palavras bonitas e pomposas, conselhos óbvios, críticas de quaisquer natureza, reprimendas etc.etc.etc. são rigorosamente inúteis em situações como esta.

Discordo, pois, visceralmente da conclusão final do príncipe, ao cabo de seu desesperado monólogo:

“(...) E assim o matiz natural da decisão
Se transforma no doentio pálido do pensamento.
E empreitadas de vigor e coragem,
Refletidas demais, saem de seu caminho,
Perdem o nome de ação (...)".

Essa é a típica situação em que não agir é o melhor caminho. E não, especificamente, pelo temor do desconhecido (no caso, da morte), até porque esta fatalmente virá, algum dia, no seu devido tempo, sem aviso e sem ser pelas próprias mãos. Ao contrário da conclusão de Hamlet, viver é que é o supremo ato de coragem, e não o contrário. “Ser” é a audaciosa opção, posto que jamais sabemos até quando será possível. Temos, todos, “prazo de validade”, que desconhecemos qual é. O monólogo comporta outras interpretações, mas creio que estas que trouxe á baila já são suficientes para nos induzir a profundas e sempre proveitosas reflexões. Ou não?!!!

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Mais complexo do que "integral" em Matemática, coisa que nunca consegui entender.

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