segunda-feira, 16 de março de 2015

A teia


* Por Daniel Santos



A menina nasceu com o cordão em torno do pescoço: desastrada marionete! E assim seria sempre, enredada nas linhas da vida – entendeu a mãe, cheia de presságios, mas igualmente disposta a intervir no destino.

Atenta, acudiu a garota certa noite. Presa na teia do padrasto, sentiu a aranha dos seus cinco dedos subir da coxa para o meio das pernas. Ela trânsida, em silêncio, sua amargura comprada com promessas de doces.

Mas a mãe não permitiu que ela se adocicasse e, após muito pensar, confiou sua guarda a uma velha amiga, uma tal que vivia de tecer rendas e, dedos de aliciante pedagogia, ensinava o ofício a meninas sem rumo.

A nova protegida aprendeu igualmente a tecer. E mais: entendeu, grata, emocionada, que mãos também fazem coisas boas. E aceitou o toque da protetora. Aceitou e gostou das inéditas delícias da intimidade.

A menarca desceu, então, na inauguração da nova idade. Agora, a paz, ela e a amiga envoltas no suntuoso aconchego das rendas, seus dedinhos hábeis tecendo e tecendo o enxoval para uma vida inteira.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. Saltou da frigideira para o fogo, ainda que aparentemente sinta prazeres consentidos. Perfeita narrativa. Parabéns, Daniel!

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