sábado, 28 de fevereiro de 2015

O que pode dar certo?


* Por Clóvis Campêlo


Tudo bem, admito que alguns só se interessem pelo que pode dar certo. Em nome das utopias, porém, peço clemência. O que seria do homem moderno sem o direito de sonhar e idealizar coisas? Não me arrisco a responder. Como diria o meu amigo Renato Boca-de-Caçapa, o mundo é uma bomba chiando. A qualquer hora pode explodir. É necessário, assim, que existam válvulas de escape bem ajustadas. As utopias nos servem de contrapeso à dureza da existência. Imaginar e idealizar é preciso, portanto.

Porém, nem tudo o que se pense e se idealize será viável nesse mundo de usuras. Assim, por um senso precioso de justiça, se a produção agrária de um país só lhe permite comer um quilo de feijão por semana, comer dois significa tirar o feijão da boca de alguém. Mas, numa sociedade de consumo que estimula o individualismo e a concentração de renda, será que alguém mais além de mim se arriscaria a pensar assim?

Nesse mundo complexo e perdulário, talvez nem mesmo se tenha o direito de pensar dessa maneira. Esse tipo de pensamento comunista exigiria um esforço de reeducação muito grande e desprendido. Talvez eu esteja querendo demais.

Hoje se inventa e se produz de tudo no mundo mecanizado e industrializado. A finalidade dessa produção não é atender às vicissitudes primárias do cidadão, mas sim criar falsas necessidades, alimentando vaidades e ambições doentias.

Não acredito em quase nada do que o Papa fala, mas quando ele se coloca contra o consumismo excessivo e deletério, não posso deixar de lhe dar razão. Não é a toa que o filósofo do povo acima citado, nos delírios etílicos nas mesas dos bares do Recife, costume dizer com ênfase que o consumismo é pior do que o comunismo. Homem do povo, dado a libertinagens e teorias libertárias, coerente com o seu modo incômodo e anticapitalista de ser, nunca o vi defender nenhum sistema de acumulação de bens. Como afirma com veemência, isso só existe no “mundo civilizado”. Aqui, somos educados para a nulidade e a falta de visão comunitária. O homem urbano moderno é um triste solitário que se esconde da vida com medo de perder seus parcos vinténs. Ilude-se com o vil metal.

Mas, afinal qual a maneira certa e satisfatória de enfrentar a vida? Nem eu mesmo sei! Somos tão condicionados e deformados pela (des)educação da vida moderna que perdemos o prumo da verdadeira liberdade e da satisfação pessoal.

Somos repetitivos como o cão de Pavlov. Raciocinamos em bloco, robotizados como androides produzidos em série e incapazes de nos desviarmos da programação a que fomos submetidos desde a mais tenra idade.

Talvez nos fosse necessário um novo grito do Ipiranga, ríspidos, às margens do rio da vida, olhando nos olhos furiosos do futuro, quebrando os grilhões do presente e do passado.

Recife, fevereiro 2015

* Poeta, jornalista e radialista, blogs:



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