quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

“Quem eu quero não me quer, quem me quer mandei embora”


* Por Mara Narciso


Queria comer uma pizza e perguntei ao meu filho se ele sairia à noite no sábado. Fui ao Montes Claros Shopping à tarde, com uma amiga e na volta refiz a pergunta. Ele queria ir ao mesmo shopping, porém para comer um sanduíche de marca, então, fui apenas levá-lo. Não queria voltar para o mesmo lugar e ele não quis abrir mão do sanduíche. Calado durante o percurso, eu lhe perguntei o que era. Disse estar chateado por ter me magoado. Argumentei que, como de manhã ele tinha feito questão de caminharmos juntos, se deduz que ele gosta da minha companhia, apenas que naquela hora tinha outros planos. Pedi que ficasse tranqüilo, mas lembrei que não podemos forçar ninguém a estar conosco, ampliando o fato para todos os relacionamentos. Foi quando comecei a cantar aquela música antiga, cujos versos iniciais estão lá no alto.

A minha mãe Milena, que segundo manifestava, nunca tinha se apaixonado (o contrário de mim, que já me apaixonei seis vezes), cantava tal música num tom feliz, como se cantasse a felicidade. Chegando a casa, procurei a letra de “Quem eu quero não me quer” em Cifras e algum áudio no YouTube. Entre vários intérpretes escolhi Waldick Soriano, o ícone do brega, e postei no Facebook (abaixo o link). A antiguidade da música fora de moda suscitou vários comentários, e o mais curioso é a força que o site tem, considerando-se que já era quase meia noite, e hoje de manhã, nove horas após, o vídeo tinha sido visto por mais 70 pessoas. Está aí o poder de ressurreição.

Duros momentos eu passei e também fiz o outro passar, pois de vez em quando é preciso dizer não, para quem nos oferece afeto. Muitos tiveram essa experiência. É como se o outro estivesse numa vitrine ou numa passarela para ser avaliado, analisado, para no fim, receber uma nota má, uma reprovação. Fácil não é, para nenhum dos lados, porém é ainda pior quando a tentativa é feita, para logo depois vir o não. Machuca mais do que quando nem começa. Quanto a um deixar de gostar e o outro continuar gostando, é dramático, o que não significa que “não deu certo”. Deu certo, enquanto deu.

A rejeição é tema recorrente entre os poetas, já que o sofrimento (que hoje atende pela alcunha de “sofrência”) é substância primordial para versos. “Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo que amava Juca que amava Dora...” (Flor da Idade, Chico Buarque). Disse Vinícius de Morais, “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

Não quero ser fraca a ponto de entregar a minha felicidade nas mãos de alguém, mas por vezes imagino que basta uma atitude, uma palavra do outro, para mudar completamente meu estado de espírito. Pelo lado contrário, um gesto meu poderá alegrar alguém, pois tal poder também me é colocado. Quando não tenho o que a pessoa pede, a dispenso, a magoo, a faço sofrer, involuntariamente. Porém, tudo por tudo, para reduzir o tempo e machucar menos, é bom que eu jogue limpo, de forma aberta e clara: cartas na mesa, sem adiar nenhum instante. Para quê dar esperança de um possível relacionamento, quando eu não tenho afeto a oferecer? Fazer jogo duplo, trabalhar no mercado paralelo, colocar o outro “debaixo da bacia”, para, caso o que eu quero não acontecer, já ter um “regra três” à espera? Isso é muito feio. Não me vejo credenciada a dar conselhos, mas ser claro nos seus propósitos é primordial para encurtar o jogo, que afinal não tem regras (a terceira do futebol é a da substituição), nem vencedores nem perdedores. Quantos estarão amargurados por amor neste exato instante, pensando em morrer em nome desse sentimento?

“Por onde anda quem me quer? /Quem não me quer onde andará? /Que será de suas vidas / Da minha vida o que será?” (Raul Sampaio/ Ivo Dantas). Uma única palavra pode mudar o destino da pessoa. No casamento, chama-se “a hora do sim”. E Vinícius escreveu: “a hora do sim é um descuido do não”. E assim, o destino vai mudando as peças do tabuleiro de lugar, com períodos de puro êxtase, de felicidade febril, e outros de dilaceramento, ocasião em que o peito é rasgado pelo sentimento de amor não correspondido, pelo não, pela rejeição, quando não quero, ou quando não me querem. E vou amargando ou adoçando toda a sorte de sentimentos, até o momento final. Igual à música.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


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