sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos e dez meses. .

Leia nesta edição:

Editorial – Alienação às avessas.

Coluna Contrastes e confrontos – Urariano Mota, crônica, “Os santos senhores de escravos”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, conto, “Por que olha para mim desse jeito?”.

Coluna No Sopro do Minuano – Rodrigo Ramazzini, conto, “Teatro da vida real”.

Coluna Observações e Reminiscências – José Calvino de Andrade Lima, crônica, “Poder maluco”.

Coluna Porta Aberta – Mateus Modesto, conto “O amor”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária”José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas” Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.


  
Alienação às avessas

A vida ganha novo sabor, e adquire grandeza e transcendência, quando a usufruímos em toda sua plenitude. Isso significa que não podemos ignorar suas dores que, por mais que possamos nos prevenir para evitá-las ou ao menos atenuá-las, certamente nos atingirão algum dia, e inesperadamente. Vão variar, somente, de intensidade e de duração. Ignorar essa possibilidade, tão concreta que chega a ser probabilidade, é recorrer ao perigoso comportamento da alienação, na contramão, inclusive, do instinto de preservação. Concordam? Creio que não há porque discordar. Todavia, enfatizar o negativo, dar destaque apenas para os perigos e tragédias que podem nos afetar (e que, não raro, nos afetam mesmo), é ser, também, alienado. Trata-se do pior tipo de alienação que existe. É ignorar que a vida também pode nos proporcionar, e de fato nos proporciona, inúmeros prazeres e alegrias, variando, como no caso das dores (físicas e/ou psicológicas) também de intensidade e de duração.

Nosso cotidiano é composto por correrias, por preocupações com contas a pagar, pela luta por uma posição melhor em uma sociedade cada vez mais individualista e competitiva, por verdadeira batalha por esse lema extremamente vago e de sentido ambíguo, que se expressa pelo tal do “vencer na vida”. Para cada pessoa, isto tem significado diferente. O que para mim é vitória, para milhões de pessoas pode representar fracasso e vice-versa. Os comunicadores (e aí incluo não somente os jornalistas, mas também escritores, que de fato o são), todavia, a pretexto de pintarem o quadro do que se convencionou classificar de “realidade”, passam, na verdade, mensagens exclusivamente negativas. Caso se preocupassem em enfatizar, também, o outro lado do cotidiano, o positivo, estaria tudo bem. Afinal, a vida tem dores, fracassos, frustrações e perigos de toda a sorte, é inegável, mas apresenta, também, prazeres, sucessos e alegrias. Mas a imensa maioria dos comunicadores não age assim.

Eles entendem – e aqui, reitero, refiro-me à imensa maioria, com uma ou outra exceção – que as pessoas, todas elas, estão ávidas “somente” por notícias ruins. Por crimes, escândalos, violência, corrupção, aberrações sexuais e outras tantas distorções de comportamento do animal homem. Nos veículos de comunicação, por exemplo, só o negativo é manchete. Nos romances, contos, novelas e peças teatrais são enfatizadas somente as taras e os atos dos vilões mais sinistros e escabrosos. Por quê? Dificilmente alguém conseguirá explicar isto de maneira minimamente plausível e convincente.

Em jornalismo se diz que notícias positivas não atraem leitores (ou ouvintes ou telespectadores, dependendo do veículo pelo qual são divulgadas). Já em Literatura, a abordagem de virtudes, de amizades sólidas, de amores bem sucedidos, de atos de bondade e de solidariedade, é evitada, ao máximo, sob o pretexto de que se alguém o fizesse, a história que escrevem se transformaria num enredo “piegas”, inverossímil, tipo água com açúcar. Mas aí é que está o desafio para escritores realmente talentosos e competentes. Ou seja, dar verossimilhança ao positivo e torná-lo interessante. Nas mãos de um incompetente isso é, de fato, impossível. Seus romances, contos, novelas ou peças teatrais se transformariam, realmente, em textos piegas, enjoativos, “água com açúcar”. O problema, porém, não está na abordagem, mas em quem aborda.

Será que a vida é caracterizada “apenas” por atos nefastos, por desastres naturais ou provocados, por lágrimas, sofrimentos, dor? Ora, ora, ora. Claro que não. Quem se diverte com essa sucessão de desgraças, no mínimo, tem alguma tendência masoquista. Adora sofrer! Não deveria haver um equilíbrio na informação (e na descrição, no caso de se tratar de escritor) de desgraças, com atos abnegados e esforços desprendidos? E estes últimos existem, caso contrário, se o mundo, a vida, a realidade que nos cerca fossem constituídos apenas de infelicidades e aberrações, em pouco tempo, nada mais existiria. Ninguém suportaria tanta tragédia.

A pretexto de evitarem a alienação, determinados comunicadores (e temo que se trate da maioria), na verdade alienam seus consumidores do lado positivo da existência. Suprimem informações que despertem a alegria e o prazer de viver nas pessoas. Daí estar surgindo nova doença – que talvez, até, existisse antes, mas que somente agora emerge e vem afetando número crescente de indivíduos – que é a síndrome do pânico. Como não ficar aterrorizado face à divulgação, tão intensiva, maciça, constante e exclusiva de desgraças e aberrações?!!

Especialistas estimam que tal problema já atinja a 2% da população mundial. Há quem eleve essa cifra para 5%. Desconfio que ela seja muito maior. Mesmo que não seja, no entanto, trata-se de um universo significativo de afetados. A difusão da filosofia do pessimismo, do catastrofismo, do negativismo, certamente tem muito a ver com este mal, se não tudo.

 A vida ganha novo sabor, e adquire grandeza e transcendência, quando a usufruímos em toda sua plenitude, com suas dores, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Quando lhe impomos um objetivo e empenhamos todo nosso imenso (mas desconhecido) potencial na sua realização. Para alcançarmos a felicidade – que sempre está dentro de nós – temos que relevar nossas fraquezas, ter coragem e forças de nos levantar sempre que viermos a tropeçar e a cair, e persistir, com determinação fé e coragem, na busca da concretização do nosso ideal.

Viemos ao mundo com alguma finalidade que, certamente, não é a de meramente sofrer e nem a de nos colocarmos à margem da sociedade e da vida. Compete-nos detectar e, quando não, estabelecer nossa razão de viver. Fedor Dostoievsky observa, com pertinência, a propósito: “O segredo da existência humana não reside só em viver, mas também em saber para que se vive”. E você sabe? Mesmo que não saiba, certamente não é para sofrer, se frustrar, curtir amarguras e ressentimentos e depois morrer, sozinho e abandonado. Ou você acha que é?

Boa leitura.

O Editor.


 Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Os santos senhores de escravos

* Por Urariano Mota

Esta semana, foi notícia no Jornal Nacional e em todas as visões e tevês:

O Brasil pode ter o primeiro casal de beatos. Eles viveram nos séculos 19 e 20, no Rio de Janeiro, e tiveram uma vida totalmente dedicada à igreja e à caridade.  Jerônimo de Castro Abreu Magalhães nasceu em Magé, na Baixada Fluminense, em 1851. Zélia Pedreira Abreu Magalhães, em Niterói, no ano de 1857.

O casal era rico, dono de uma fazenda de café na época da escravidão e eram considerados um exemplo de bondade. “Todos aqueles que os serviam, e nesse período eram os escravos, 500 escravos, mas todos eles tinham salários, todos eram tratados com dignidade, tinham moradia. A grande preocupação não era acumular dinheiro”, ressalta Dom Roberto Lopes, da Arquidiocese do Rio de Janeiro..

"A partir de agora, a história de Zélia e Jerônimo vai ficar mais conhecida. E o casal já conquista novos devotos. Nesta primeira etapa, a Arquidiocese do Rio vai recolher documentos e ouvir testemunhas. Depois, encaminhar ao Vaticano. A beatificação depende de um milagre”.

Por isso não, o milagre já foi conseguido: tornaram santa a boa escravidão no Brasil.. Amigos, não vou entrar no mérito dos processos de beatificação em geral, para não cair em desgraça ou exibição do meu desconhecimento sobre as vidas dos beatos e dos santos. Mas aqui, no caso particular de Zélia e Jerônimo, saímos do capítulo da mistificação para um crime contra a história: como é possível um processo de beatificação para senhores escravocratas? Mais: como é possível que esse paradoxo se noticie sem uma sombra sequer de pluma da dúvida?

Mesmo em se tratando de personagens do século XIX, de ricos senhores das almas e corpos em fazendas de café, não podemos deixar de ver um dilema. Se Jerônimo e Zélia algum dia fizessem um exame honesto de consciência, daqueles exames feitos antes de uma honrada confissão, eles não poderiam fugir desta encruzilhada: ou libertavam os seus escravos, ou eram parasitas do suor de homens e mulheres negros. Não pode haver honra que sobreviva em um escravocrata, por mais bem intencionado que seja. O papel que ele exerce é um pecado sem remissão.   

O interessante, como um mal sem cura, como o desenvolvimento de uma doença, é que as tentativas de amaciamento da crueldade da escravidão no Brasil continuam nesse processo de beatificação, com a imagem do bom senhor de escravos. “Zélia e Jerônimo nunca tratavam seus escravos como sendo propriedade sua, lá eles viviam em liberdade e recebiam inclusive salário”, dizem sobre os novos santos. E mais: “o tratamento dispensado ao elevado número de escravos que trabalhavam na Fazenda Santa Fé era tão humano que, após a abolição da escravatura, nenhum dali saiu, aí continuando a viver e trabalhar.” Mas como? Esse comportamento não foi único, na vontade de homens tornados escravos também na alma, que não tinham opção: ou continuavam com seus bondosos, ou saíam para morar na rua e viver na fome.

De uma descrição de arquitetos que visitaram a antiga fazenda Santa Fé, a propriedade dos santos senhores de escravos, copio o trecho: “as senzalas possuíam construções distintas para homens e mulheres.”. O que era um ato piedoso, sem dúvida, comento aqui, pois assim evitavam a promiscuidade da negraria no cio. E mais: “A Fazenda Santa Fé, ainda segundo Antônio Pinto Corrêa Júnior, produzia anualmente 20 mil arrobas de café, chegando a produzir 40 mil arrobas em alguns anos”. Agora imaginem tamanha fortuna se construindo sob o regime de  uma caridosa escravidão.

O gênio Charles Darwin no diário da sua passagem no Brasil, em 1871, escreveu que uma vez, ele irritado, falando alto, gesticulou com a mão próxima ao rosto de um escravo. E teve como resposta, diante de si, um homem com os braços soltos para baixo, com a fisionomia transfigurada pelo terror, com os olhos semicerrados, na atitude de quem esperava uma bofetada, e dela não podia se esquivar, paralisado. E Darwin anotou: “Nunca me hei de esquecer da vergonha, surpresa e repulsa que senti ao ver um homem tão musculoso ter medo até de aparar um golpe, num movimento instintivo. Este indivíduo tinha sido treinado a suportar degradação mais aviltante que a da escravidão do mais indefeso animal”.

Agora, a Igreja deseja tornar santos dois senhores de escravos. As pessoas de Jerônimo e Zélia, como novos Romeu e Julieta, para o conjunto de escravocratas talvez fossem até  generosas. Talvez oprimissem mais suave, sob a doce e benevolente coerção, quem sabe, algo do gênero “se o negro faltar à produção, papai do céu castiga”. Jerônimo e Zélia podem ter sido até mesmo boas almas, cristãs, fervorosas. Mas santificar o casal de escravocratas é o mesmo que  santificar uma ordem injusta. Ninguém jamais foi santo possuindo escravos. 

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”.  Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.



Por que olha para mim desse jeito?

* Por Eduardo Oliveira Freire

Não sabe de nada! Quando se é menino como você, não se faz esforço para ter as coisas. Todos se esmeram para ser felizes. Quando se cresce, a história é outra.

Tem esse olhar de superioridade achando que me corrompi. Não sabe a labuta de todos os dias. Nunca desisti dos meus sonhos, mas não posso viver somente deles. Extravaso minha criatividade através das histórias que escrevo.

Preciso trabalhar para sobreviver, menino arrogante! Ficou decepcionado em que se tornou? Dana-se, eu também não admiro o menino sonhador que fui. Estamos quites. Você acha que o tempo roubou sua juventude, mas, para mim, trouxe-me autoconhecimento.

Não adianta ficar com a cara emburrada. Apesar dos contratempos, estou mais satisfeito agora do que quando eu era você! Porque cada vez mais tenho a consciência da minha individualidade.


* Formado em Ciências Sociais, especialização em Jornalismo cultural e aspirante a escritor
Teatro da vida real

* Por Rodrigo Ramazzini

Os ensaios da peça teatral “Os investigados” duraram longos cinco meses. Quem assistiu previamente a encenação a classificou como um das melhores dos últimos tempos. No elenco de oito autores, Juan Ramires se destacava como o faz tudo: era o diretor, roteirista e ator principal, ao personificar a figura do Delegado Wagner, centro das atenções do enredo.

A noite de estreia, ancorada pelo burburinho que a antecedeu, fez com que a casa de espetáculos estivesse lotada naquele sábado. Pontualmente, às 21h, as cortinas foram abertas e Juan, ou melhor, Delegado Wagner, abriu a cena com a afirmação que instigaria a plateia a prestar a atenção em todos os detalhes da peça de teatro:
- Eu vou descobrir quem matou Lázaro Algaçaburro! E preciso da ajuda de vocês!

Tal frase não era dita à toa, pois à medida que o espetáculo avançava, o Delegado Wagner interagia com o público, questionando sobre os possíveis autores do assassinato dentre os atores da peça, o que fazia com que o roteiro fosse dinâmico e mudasse a cada novo suspeito indicado.

A peça transcorria normalmente até os seus 56 minutos de encenação, de um total de 1h e 20min. Foi quando ao centro do palco, Delegado Wagner com a luz toda em cima de si, depois de pensar por alguns segundos, devia chegar a mais uma constatação sobre o possível autor do crime e revelá-la a plateia. Silêncio no teatro. Todos os olhos voltados para o Delegado. Público e demais atores da peça aguardavam ansiosamente o desenrolar do roteiro. Quinze segundos se passaram e nada da revelação. Transcorreram mais trinta segundos e a situação permaneceu inalterada. Todos perceberam que havia algo errado. Então, Juan quebrou o silêncio e confessou humildemente aos presentes:
- Gente! Esqueci o próprio roteiro que escrevi... Desculpem-me!  

Rapidamente, a plateia compreendeu a posição do ator e, em pé, o aplaudiu intensamente por vários minutos. Depois de um novo pedido de desculpas, um dos atores da peça “soprou” a fala a Juan, que assim lembrou-se do restante do texto e seguiu magistralmente dando vida a figura do Delegado Wagner até a aclamação do público ao final da peça.

Encerrado o espetáculo, o restante do elenco da peça aguardava ansiosamente a chegada de Juan no camarim, pois acreditavam que a situação enfrentada no palco o levaria a alto nível de stress e um sentimento de inconformidade pelo erro logo na estreia estaria dando as rédeas do seu humor. As frases de consolo já estavam ensaiadas.

Foi então que para a surpresa de todos, Juan surgiu às gargalhadas contando suas impressões sobre o episódio. Silêncio no camarim. Ele questionou:
- Morreu alguém? Por que essas caras de velório? A peça não foi um sucesso?
- Como você está Juan? Nós pensamos que..., rebateu um dos atores.
- Pensaram errado! Replicou Juan.

Silêncio. Então, Juan cunhou a frase que posteriormente foi parar na lápide do seu jazigo:
- Enquanto tivermos a capacidade de rir de nós mesmos, principalmente, depois de situações difíceis, é o sinal divino que nos aceitamos como imperfeitos e estamos evoluindo para compreender a vida!

Todos concordaram com a afirmação depois de uma breve reflexão. E, em meio a gargalhadas, demonstrando total tolerância ao próprio erro e absorvendo ao aprendizado gerado pela situação, ele completou:
- Isso não vai mais acontecer. Prometo ensaiar mais e mais... Mas, será que filmaram? A minha cara de pavor com o esquecimento deve ter ficado uma obra! Há! Há! Há!

E todos caíram no riso também...



* Jornalista e contista gaúcho
Poder maluco

*Por José Calvino

“Se o mundo enlouqueceu,
  torne-se louco
  para ser sensato”
(Akira Kurosawa)


É preciso que estejamos preparados de conhecimentos que resolvam questões, pautados em observações e experiências vividas. Quando eu li uma crônica que fala de uma clínica psiquiátrica do Recife: “(...) que funcionava  mantendo em suas dependências como doentes mentais e moradores de rua...”, resolvi então registrar aqui alguns casos que aconteceram no Estado Novo e  na Ditadura Militar, que ofereciam leitos para indigentes e pensionistas a partir de convênios diversos assinados com os Institutos de Aposentadoria de então, e também com as esferas municipal e estadual de governo (O problema persiste até hoje, com propagandas enganosas, já que todos nós sabemos que o governo nunca investiu na educação, saúde e emprego digno).

Lembrei-me do que mamãe me contou  sobre um grande chalé que pertenceu à família Andrade Lima, por sinal localizado na Avenida Conde da Boa Vista, no Recife. O meu pai dizia sempre que os Andrade Lima eram primos de Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista (Vide “Os Andrade Lima”). Bom, para animar a leitura vamos para dois casos inusitados: a) “Numa tarde de verão, chegou um matuto amigo da família,  com uma maleta, de paletó com um cachecol vermelho (contrastando com o clima) em volta do pescoço. Os parentes mostraram o Recife  que o visitante não conhecia: as praias, as pontes, etc. Ao dormir no referido casarão, já tarde da noite, ele teve vontade de defecar, sem saber onde ficava a privada e, para não incomodar  o pessoal, fez a necessidade no próprio cachecol, vendo a claridade da lua, jogando os detritos pela janela e deixando o cachecol com fezes agarrado na vidraça. Envergonhado, saiu sem se despedir dos anfitriões. A casa ficou com um odor insuportável. As empregadas, para amenizar o mau cheiro, trabalharam na limpeza com lenços próximos aos narizes.” b)“A polícia ia prender um trabalhador sem flagrante delito e sem ordem judicial. Uma senhora política, parente dos Andrade Lima, não deixou os meganhas entrarem no engenho de sua propriedade e, energicamente, lhes disse: ‘Diga ao governador Agamenon, que ele venha prendê-lo.’ Resultado, os dois policiais foram presos.” Mas, essa é outra história.

Nos anos 70, uns aspirantes   a oficiais da Polícia Militar estagiavam nos quartéis e dois deles foram para o Batalhão de Radiopatrulha, que ficava próximo ao Instituto de Psiquiatria Dr. Luiz Inácio de Andrade Lima (Hospital Psiquiátrico do Recife). Um deles era conhecido como “Mordida de Porco”, apelido dado por ser ruim e porque quando estava como Oficial de Dia acionava o alarme a qualquer hora da noite, mais das vezes de madrugada, perturbando a vizinhança  e os pacientes do Hospital, até mesmo os componentes da guarda que ficavam nos seus postos atentos a um possível “ataque”. Muitos foram vítimas daquela zoada, ficando com problemas psíquicos e neurológicos, consequentemente alguns policiais militares foram reformados. Eu sou testemunha quando um neto (suponho) do doutor Luiz Ignácio foi até o quartel reclamar do tal procedimento que vinha prejudicando o quadro de saúde dos internos. O governo nunca tomou as providências em prol aos doentes mentais. Hoje o imóvel do hospital se encontra abandonado, rodeado de tapumes. 

Finalmente, registro com pesar o falecimento do Dr. Luiz Ignácio de Andrade Lima, aos 99 anos de idade. Era o médico mais antigo vivo da Faculdade de Medicina do Recife, como também era o último remanescente do grupo de professores docentes livres que fundou a Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco.

Estamos numa situação em que devemos ter o prazer pela leitura, como uma arma que promova a cidadania e dignidade para milhões de brasileiros.

*Escritor, poeta e teatrólogo pernambucano.


O amor

* Por Mateus Modesto


Madrugada. Meia São Jorge de solidão. Insônia. Era uma noite esquisita. Nuvens encobrindo a lua. Silêncio na rua. Apenas o número 501 do Edifício Roseana acordado. Eu estava sentado no chão, recostado no sofá da sala.

- Qual o melhor sentimento que o ser humano pode ter? – perguntei.
- O amor – eu me respondi.
- O amor? – duvidei.
- Sim. É. É sim!

Pelo amor, cometemos loucuras. Com amor, procuramos zelar por nosso amado. Procuramos dar carinho, esperar que ele esteja sempre bem, sempre seguro. Com o amor, a mãe alimenta o marido. Alimenta os filhos. O marido protege a esposa. Faz de tudo para ele estar sempre em paz, sem grandes preocupações.

- Mas eu não amo ninguém!
- Então procure amar... – respondi a mim mesmo.
- Mas... amar por amar?
- Ninguém ama por amar... não tem como – expliquei-me.

O amor é um sentimento inerente aos românticos. Não se questiona como apareceu, nem como surge. O amor demonstra-se espontâneo. Cai tão simples quanto a chuva no telhado. Emociona tanto quanto o nascimento de um filho. Alegra mais que as férias. Estimula mais que catuaba ou amendoim. Ou os dois. O trabalho fica mais gratificante, o dia fica mais vivo, a noite fica mais especial.

Nesse momento, eu já estava de pé. A garrafa era a minha companhia. Era a minha parceira na dança. Uma dança sem música. Apenas tocando em meu pensamento. “Love me tender, love me sweet, never let me go. You have made my life complete,
and I love you so”
. Os passos eram perfeitos. Na verdade, quase. Quase perfeitos, não fossem o sofá e a mesinha me atrapalhando.
           
- O amor!
- Sim, o amor!
- Amore! Amour! El amor!

Meus olhos estavam fechados. Minhas pernas, flutuando. Meus braços estavam leves, carregando o meu amor imaginado, num passo agora perfeito. A mesinha tornava-se a referência para a dança: em círculos. O mundo estava rodando. Muito mais que eu. Tropecei e caí. No sofá. A insônia acabara.



* Jornalista

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Literário: Um blog que pensa

LINHA DO TEMPO: 7 anos, nove meses e trinta dias de existência.

Leia nesta edição:

Editorial – Preconceito e violência.

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica,“Princípios de bem-viver”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, crônica, “Ribamares”.

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto, “As viuvezes de Oswaldo”.

Coluna Porta Aberta – Cida Pedrosa, poema,“Poema para Zhang Yimou”.

Coluna Porta Aberta – Jair Lopes, crônica, “A pesca”.


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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com
“A Passagem dos Cometas”Edir Araújo – Contato: edir-araujo@hotmail.com
“Aprendizagem pelo Avesso”Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br
 “Cronos e Narciso”Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br
“Lance Fatal”Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.



Preconceito e violência


O preconceito, seja a que propósito for, mas, sobretudo, o racial – que ainda é o mais comum – é sempre odioso. Não tem a menor justificação. Ademais, é um pavio aceso em um barril de pólvora para a deflagração da violência. Essa, como todos sabem (até o mais tolo dos tolos não o ignora), é fácil de começar... todavia, em alguns casos, é difícílima de controlar. E, em situações extremas, é, até mesmo, incontrolável. Principalmente quando o preconceito sobe um degrau a mais e se transforma em discriminação. Ou seja, em segregação daqueles que o preconceituoso julga inferiores. Como ninguém gosta de ser inferiorizado, nem mesmo o mais renitente dos masoquistas, a reação da vítima é para lá de lógica. E, invariavelmente, é violenta.

Escrevi muito sobre este tema, que considero apropriado de ser tratado em Literatura, pelas diversas facetas que apresenta. Aliás, tudo e todos são assuntos para um bom escritor (atento e competente), pois sua principal missão é reproduzir, em ficção ou não ficção, a vida como ela é. E, infelizmente, o ser humano é assim: preconceituoso e discriminador, egoísta e violento. O que varia é a intensidade desses comportamentos, de acordo com a educação que o indivíduo recebe e, por conseqüência, da sua forma de encarar o mundo e esta aventura perigosa, mas fascinante, que é o privilégio de viver.

Fico imaginando se há, em alguma parte do mundo, algum país em que não exista o mais leve resquício de preconceito. Desconfio que não haja neste Planeta que parece tão grande, e no entanto é tão pequeno, nenhum “paraíso” como esse. Indago-me, amiúde, por exemplo, se a discriminação racial foi, de fato, banida da África do Sul, depois da sapientíssima e nobre ação de Nelson Mandela, no sentido de tornar aquela sociedade (em que o preconceito e a discriminação foram, por praticamente meio século, inclusive normas legais), em uma nação não somente multicultural, mas, sobretudo, multirracial. Tenho lá minhas dúvidas. Receio que resquícios de ressentimento sobrevivam nos corações e mentes de muitos brancos e de muitos negros. O que pode variar é a quantidade desses ressentidos e preconceituosos dissimulados.

E os Estados Unidos, livraram-se do racismo, com a eleição de Barak Obama para a presidência? Ou este permanece vivo, esperando, apenas, oportunidade, algum pretexto, mesmo que banal, de se manifestar? Consultando meus arquivos, para escrever sobre o assunto sem risco de dizer bobagens, encontrei matéria, datada do início de maio de 1992, dando conta dos distúrbios ocorridos nos Estados Unidos, que começaram em Los Angeles e se estenderam a outras dez cidades norte-americanas, de sete Estados, e que trouxeram à tona, mais uma vez, naquela oportunidade, a questão do preconceito racial naquele país.

A absolvição dos agressores de Rodney King, um negro, barbaramente espancado pelos policiais Laurence Powell, Theodore Briseno, Timothy Wind e Stacy Koon em 3 de março de 1991, cujo fato foi registrado por um cinegrafista amador e cujas imagens foram divulgadas praticamente no mundo todo, por um júri, todo ele integrado por brancos, foi o estopim da revolta. Foi a gota d’água que faltava para que ressentimentos acumulados por anos extravasassem.

As cenas do videoteipe falavam por si sós e por isso ninguém compreende – e certamente nem os próprios jurados – a razão de uma decisão tão infeliz, parcial e injusta do grupo encarregado de julgar os que exorbitaram da autoridade. A vítima havia sido detida por dirigir em alta velocidade. Não resistiu à detenção e sequer esboçou mínimo gesto de hostilidade. Ainda assim, King recebeu, em várias partes do corpo, 56 golpes de cassetete, chutes e socos, numa inesquecível cena de selvajaria que quem a presenciou, pela televisão, certamente jamais irá esquecer.

Compreende-se, até, a revolta da comunidade negra diante do ridículo veredito da Justiça. Mas nada justificava que se respondesse à violência com outra violência ainda maior. Los Angeles virou praça de guerra, com centenas de incêndios se espalhando por toda a cidade, saques e depredações generalizados e, o que é pior, agressões de toda a sorte que redundaram na morte de pelo menos 38 pessoas, ferimentos em cerca de 1.300 e prejuízos incalculáveis, que ascenderam a alguns milhões de dólares. E, o que foi mais grave, a imagem dos Estados Unidos, de uma sociedade quase perfeita, perante a comunidade mundial, ficou bastante comprometida na ocasião.

Aliás, coincidentemente, somente alguns dias antes desses conflitos, o filósofo esloveno, Slavoj Zizek, comentando o fim do comunismo e a desagregação da ex-União Soviética, previu tumultos como estes em países capitalistas. Observou: “Sem o mundo comunista, desapareceu a figura do inimigo externo que deve ser exterminado. As lutas agora se transferiram para a esfera interna. Não é verdade, como diz Francis Fukuyama, que com a queda do comunismo terminaram os antagonismos e a História” E não terminaram mesmo.
.
Não eram (e não são), apenas, os Estados Unidos que tinham (ainda têm?) essa autêntica bomba de tempo montada em seu interior para explodir a qualquer momento chamada preconceito. Na Alemanha, por exemplo, o ressurgimento do nazismo, com toda sua ideologia de ódio e de pretensa superioridade racial,  gerou alguns tumultos, posto que nenhum tão grave como os que afetaram Los Angeles e mais dez cidades norte-americanas em fins de abril e começo de maio de 1992.

França, Grã-Bretanha, Itália, apenas para mencionar outras potências, estão muito longe de serem os oásis de paz e solidariedade que alguns apregoam, muitos sonham construir, mas que ninguém se empenha seriamente para tornar concretos. Isto para não citar o antagonismo étnico latente em várias partes da Europa, especialmente no Leste europeu e os fundamentalismos religiosos, instigando ódios em seguidores fanatizados, ao invés de mensagens de amor, como seria de se esperar da parte de qualquer religião.

Mais do que nunca, os homens se odeiam, se agridem e ressaltam pequenas e irrelevantes diferenças, quando deveriam se concentrar em cultivar as enormes semelhanças. Martin Luther King, na década de 1960, definiu com clareza o que está por trás das atitudes segregacionistas: “A segregação racial é alicerçada em medos irracionais como a perda de privilégio econômico, a posição social alterada, os casamentos interraciais e o ajustamento a situações novas”.

Teme-se que explosões de violência até inesperadas venham a ocorrer, e não importa onde, motivadas pelo preconceito (não apenas o racial, mas principalmente ele) e pela conseqüente discriminação. Pretextos, infelizmente, sempre existiram e existirão enquanto não houver uma consciência clara de que os sistemas sociais existentes, que classificam os homens e determinam seus destinos pelo que eles têm e não pelo que são, são perversos, injustos, imorais e ilógicos. Afinal, como indagou William Shakespeare, numa de suas peças: “O que é a cidade senão as pessoas?” Da minha parte, faria uma ligeira mudança nessa indagação. Substituiria a palavra “cidade” por “sociedade”. E a questão ficaria assim: “O que é a sociedade senão as pessoas?”. Sim, leitor, o que é?!

Boa leitura.

O Editor.  .   


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Princípios de bem-viver

* Por Pedro J. Bondaczuk

Quais deveriam ser os princípios fundamentais, as normas gerais, as regras fundamentais, uma espécie de “Constituição”, de lei das leis de uma conduta reta, para que tivéssemos uma vida saudável, produtiva, sem conflitos e, sobretudo, longa?

O escritor russo, Anton Tchekov, definiu, com meridiana clareza, simplicidade e precisão, quais deveriam ser esses fundamentos (e concordo com ele). Afirmou, num de seus tantos textos: “Deve-se ser mentalmente claro, moralmente puro e fisicamente asseado”.

Convenhamos, raramente temos clareza mental. Poucas vezes conseguimos sequer definir, por exemplo (nem mesmo para nós próprios quanto mais para os outros) o que de fato queremos da vida. Mudamos, a todo o instante, nossas vontades, projetos e aparentes convicções, que se vêem, amiúde, abaladas por meras aparências, por teorias sem comprovação e por dúvidas mil que nos assaltam por temermos nos conhecer a fundo, assustados com o que possamos vir a descobrir.

Mas, sem clareza mental, não vamos a lugar algum. Andamos em círculos, desperdiçando nosso maior capital, o tempo, sem que sequer nos apercebamos de tão insensato desperdício. Ter um objetivo claro e saber porque queremos atingi-lo é essencial para definirmos um rumo. Como chegaremos a algum lugar se desconhecermos até o caminho que nos leva a ele?

Quanto à pureza moral... O que, de fato, ela significa? Cada povo, e cada época estabelecem, sem muito critério (não raro, sem nenhum), muitas vezes de forma até aleatória, o que é certo e o que é errado, em termos de conduta, naquela comunidade e naquele tempo.

Raramente há um mínimo de consenso a respeito. O que é moral hoje, pode ser tido como imoral amanhã, e vice-versa. Há, contudo, princípios de conduta que intuitivamente sabemos que não devem ser violados, em qualquer ocasião e por nenhum motivo.

Um deles, transmitido pelo Mestre dos Mestres, (que entendo ser fundamental), é o que preceitua que não devemos fazer ao próximo o que não queremos que ele nos faça. Simples assim. E, em contrapartida, precisamos ter, sobretudo, atitude positiva a esse respeito. Ou seja, aplicar a contrapartida, o “vice-versa” desse princípio. Claro que se trata de “fazer” aos outros o que queremos que outros nos “façam”. Intuitivamente, bem no fundo da consciência, temos a noção exata do que significa ser “moralmente puro”. Se não o somos, não é por desconhecimento ou confusão.

Quanto a ser fisicamente asseado, isso requer poucos comentários, porquanto não há grandes dificuldades em entender o que significa. “Asseio”, neste caso, não se refere, apenas, à limpeza do nosso corpo (o tomar banho diariamente, escovar os dentes após as refeições, manter o ambiente em que vivemos sempre limpo etc., que, na verdade, são comezinhos princípios de higiene).

Deixamos de ser asseados, por exemplo, quando cultivamos maus-hábitos e adquirimos vícios, como o tabagismo, o alcoolismo e as drogas, todos, evidentemente, nocivos e que reduzem nossa longevidade. Ou quando nos esquecemos que nosso corpo é uma das mais sofisticadas máquinas que existem e que, por isso, requer ação contínua, permanente e controlada. Ou seja, precisa de exercícios na medida exata, nem em excesso e nem em falta. Ou quando nos alimentamos do que não é adequado e em quantidades aquém ou além da necessária. Tudo isso é, também, falta de asseio.

Notem que a primeira e a terceira norma referem-se exclusivamente a nós, às nossas características essenciais: mente e corpo. Ou seja, ao espírito e à matéria que nos constituem e nos caracterizam como animais. Já a segunda, tem a ver com nosso relacionamento social, com o que fazemos ou deixamos de fazer em relação aos nossos semelhantes.

Lembrem-se que, na vida em comunidade, também funciona, pelo menos em certa medida, o princípio da “ação e reação” da Física. Ou seja, “a toda ação corresponde uma reação”. Queremos que os outros ajam com justiça e solidariedade conosco? Devemos agir também desta forma em relação a eles, até para podermos cobrar tratamento igual. Se não o fizermos... Estaremos longe, muito distantes de ser “moralmente puros”.



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 



Ribamares

* Por Marcelo Sguassábia

Ribamar não deve nada a ninguém, este é o fato. Por mais que conspirem e tentem envolvê-lo em imbróglios difamantes, sua ficha permanece incólume. Tão alva e inatacável quanto a consciência dos verdadeiros inocentes.

E olhe que tentam com afinco manchar seu nome, que já batiza dezenas de ruas, viadutos, postos de saúde e unidades de estocagem de macaxeira espalhadas pelo nosso Estado. Sim, as tentativas diárias de desmoralização se multiplicam de maneira estonteante, atingindo não só o Ribamar político, mas também alguns de seus xarás apadrinhados.

Um exemplo recente foi a insinuação desmoralizante contra Ribamar Leocádio, neto de um fiel correligionário, lotado como assessor de gabinete nível sete desde outubro de 2010. Pesa contra ele a denúncia de jamais ter comparecido ao seu local de trabalho, para tomar posse e assento. Imaginem o pandemônio que ia ser se todo nomeado cismasse em ocupar seu cargo na capital federal? Assistiríamos a um overbooking trabalhista sem precedentes!

Percebam que não é Ribamar Leocádio que está lotado no gabinete, é o gabinete que está lotado de gente valorosa como ele. São dezoito Severinos, dois outros Ribamares com problema de obesidade e cinco Raimundos Nonatos dividindo uma salinha de quatro por quatro e meio. O quadro catastrófico assim se desenharia, se todo mundo fosse de fato pegar no batente. Felizmente, a grande maioria fica na praia, mandando ostras goela abaixo e bebericando guaraná Jesus.

Pois é, minha gente, esses arroubos de heroísmo ninguém vê. Para mostrar essa atitude abnegada, essa demonstração de cidadania e de espírito público, a Rede Globo não envia nenhuma equipe de reportagem.  É claro que toda essa gente do agreste preferiria estar em Brasília, se esbaldando em ar condicionado, ao invés de ficar salgando a bunda na praia debaixo de um calor senegalês. Na verdade esses servidores pensam primeiro na pátria e evitam os nefastos efeitos da superlotação, que poderiam culminar em tragédia e, consequentemente, em gastos emergenciais aos cofres do Estado.

Aí me vem a oposição com mais uma infâmia,  fazendo injusto alarde sobre a licitação para compra de meia dúzia de toneladas de lagostas, destinadas ao trivialzinho  variado do Palácio onde a filha de Ribamar governa exemplarmente.

Temendo o desgaste político junto à opinião pública, o governo determinou o cancelamento da compra. E o que acabou acontecendo? Ao abrirmos mão do processo licitatório, tivemos que comprar lagosta no mercado informal, sem garantia de origem e em condições discutíveis de armazenamento e conservação. O produto foi servido em coquetel oferecido a uma comitiva de empresários chineses, que estava em nosso Estado para fechar um grande negócio de fornecimento de catracas de motocicleta. Estragada, a lagosta à Thermidor provocou intoxicação alimentar severa nos membros da comitiva, que assim que obtiveram alta hospitalar retornaram à China sem assinar contrato algum. Se gasto com lagosta de qualidade, o dinheiro retornaria ao governo multiplicado por mil, cinco mil, dez mil, sei lá...

Então por que, pergunto, a perseguição política aos nossos queridos representantes? Por que o linchamento midiático? Ora, vão cuidar de suas vidas e deixem o(s) Ribamar(es) trabalhando sossegados.

* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).



As viuvezes de Oswaldo

* Por Gustavo do Carmo

Voltava do enterro da esposa. Morrera de câncer no colo do útero. Tinha apenas 30 anos. Ainda era uma menina. Com ela teve dois filhos, um casal ainda pequeno que iria crescer sem a mãe.

Gerlaine era a sua terceira esposa. As duas primeiras também morreram de câncer no colo do útero. Maria Isabel também não passou dos 30 e deu três filhos homens a Oswaldo. Todos já adultos. O mais velho até já lhe deu dois netos. Aurora ainda chegou aos 35 e deu duas meninas, hoje adolescentes, ao então biviúvo.

Foi só depois da morte da quarta mulher, Ana Helena, que Oswaldo se questionou porque todas as suas mulheres morriam de câncer de colo de útero. Oswaldo não era analfabeto. Sabia que essa doença existia e era transmitida pelo HPV. Mas, como dono de padaria, nunca teve tempo para fazer um exame urológico.

Achava que era azar. Castigo por não dar atenção necessária aos filhos (teve mais uma menina com Helena). Praga de algum desafeto. Somente quando morreu a quinta mulher, Célia, de apenas 26 anos (que não lhe deu filhos), é que Oswaldo começou a se culpar por não ser um marido exemplar.

Já aos setenta anos, ele sempre dava em cima das mulheres mais novas. Todas as mulheres com quem se casou depois de Maria Isabel  já conhecia durante o casamento com a anterior. Assim que a esposa morria, logo já assumia o novo romance e se casava com a próxima. Só se culpava por isso.

A culpa realmente era dele. Lidiane seria a sua sexta esposa, mas a primeira que o obrigou a fazer um exame pré-nupcial. As outras desconheciam a doença, pois tinham baixa escolaridade. Com exceção da Maria Isabel, eram todas empregadas do velho padeiro.

Lidiane já sabia da fama de “viúvo negro” do pretendente. Advogada, já tinha 40 anos, dois filhos e ia se casar pela segunda vez, pois o primeiro marido morrera de câncer no pulmão. Impôs o exame a Oswaldo, que descobriu que era portador de HPV e estava com câncer de próstata já em estado avançado.

Lidiane foi a primeira mulher que sobreviveu ao casamento com Oswaldo. Era vacinada contra o HPV. Ficou mais rica do que já era. Herdou a aposentadoria e as padarias do marido, que padeceu do câncer. Eles se casaram em comunhão total de bens quando Oswaldo já estava internado em estado terminal. Ela só não sobreviveu ao casamento com Henrique, o segundo filho mais velho de Oswaldo, que a contaminou com o HIV que desconhecia.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



Poema para Zhang Yimou

* Por Cida Pedrosa

a lâmina corta a água
e a cor se faz

o vermelho se apresenta
na face a dor
o ódio em si encerra

em vestes e passos
a honra anda
tudo é som solidão sentidos

o laranja se apresenta
as folhas voam
o outono em si vagueia

leve como a tarde
a dor corta a espada
tudo é vale voz veia

o azul se apresenta
e começa a redenção
certeza de destino cumprido

a lâmina é certa
o saber é náufrago
tudo é leve livre ligeiro

o verde se apresenta
em luta e glória
castelo e espadas
mãos mandarim

cetins caem sobre facas
som de almas
corte
e em nome do amor
vence o orgulho

haraquiri cumprido
qual fio varando a água
qual faca varando veias
e o fim se faz transparente

os heróis morrem em um único gume

a lágrima se prende à água
a água se prende à lâmina
os olhos respiram chama

e a morte
a morte é uma metáfora
e se esvai sem cor


Poetisa e vereadora no Recife