domingo, 21 de dezembro de 2014

Pedaços de outros Natais


* Por José Ribamar Bessa Freire


Pensei em comentar aqui, hoje, a Proposta de Emenda Constitucional 215 que representa uma ameaça aos direitos indígenas, mas no período natalino as pessoas não estão interessadas em tais assuntos, melhor deixar para o pós-festa. Nos últimos trinta anos de presença constante na imprensa amazonense, o tema inevitável na última semana de dezembro foi sempre o mesmo, como se a chata da Simone não parasse de cantar "Então é natal".

Então, eu me rendo. Já fiz até, em algum momento, o balanço de uma dezena de crônicas que escrevi sobre o tema, de forma tão repetitiva quanto a voz da Simone. Decido agora selecionar trechos de algumas delas que digitalizei e postei no meu site.

Neve em natal, presépio em Belém (1985) discutiu o significado histórico da festa na Amazônia, onde Presépio foi o nome dado à fortaleza para escravizar índios - o Forte do Presépio, que deu origem à atual capital do Pará. Daí talvez a forma alienada de celebrar o natal na nossa região com pinheiros de plástico cobertos de algodão. Sugerimos que a Prefeitura colocasse uma gigantesca trituradora de isopor no centro espalhando "flocos de neve" pelos céus da cidade. A coluna distribuiu ainda presentes especiais a políticos em evidência.

Natal sem peru e pirão (1986) escrita num momento em que o país passava por uma crise econômica indaga sobre o que faria parte da ceia de natal do amazonense. Peru tender? Presunto desossado? Pernil? Bacalhau? Filé ao molho de champignon? Nozes? Passas e figos secos? Nenhum deles é produto regional. O boi foi trazido do Cabo Verde para o Marajó no séc. XVII, o pintinho foi introduzido no Alto Solimões na viagem de Orelana, em 1541, quando confundiram o mutum com o peru que aqui não existia.

A alternativa de valorizar a cozinha regional apresentava castanhas-do-Pará, jaraqui e baião-de-dois, além do pirarucu, com uma intervenção do chef Carlos Alberto Di Carli, que foi aqui lembrado por causa do roubo do século ocorrido em Portugal quando assaltaram um comboio de caminhões que carregava dez toneladas de bacalhau. O então delegado da SUNAB, Oyama Ituassu, confirmou que para substituir o bacalhau importaria pirarucu do Peru, cujo preço, porém, era demasiado salgado. Assim, não tem pirarucu de peruano que aguente.

Diário de tantos natais (1988) apresenta uma visão panorâmica da evolução da festa natalina em solo regional, com presentes dados às crianças amazonenses desde o natal de 1954, no Bairro de Aparecida, quando o Zé Bundórica encontrou um pequeno embrulho debaixo da rede, passando pelo natal de 1960 quando ganhou na festa dos funcionários do IAPC presente equivocado: uma boneca loura que abria e fechava os olhos. No natal de 1988, Zé Bundórica já casado e com filhos, presenteia Bundórica Junior com algo que marcou sua vida.

O saco do Papai Noel baré (1993) comenta a chegada no aeroporto Eduardo Gomes do velhinho que veio da Finlândia, trazendo brindes para os políticos amazonenses em evidência: Amazonino Mendes, Ronaldo Lázaro Tiradentes, César Bonfim, Átila e Belarmino Lins, todos ganharam o que mereciam.  Já o povo amazonense foi agraciado com o cd "Porto de lenha" do Torrinho e com o "Reggae por nós" do Cileno, além de gravações do Pereira, Carlito Ferraz. Célio Cruz, Paulinho Kokay, Lucinha Cabral, Célio Cruz, Candinho & Inês, Betão Gomes.

- Esse povo triste e anêmico, embora não saiba, precisa de música. Só a música pode salvá-lo - filosofou o velho Noel.

A ceia de natal (1996) reuniu numa festa de confraternização as personalidades que frequentaram o espaço da coluna naquele ano, na base de "juntar as panelas". Um conhecido deputado federal, encarregado de trazer o pirarucu-de-casaca para a ceia natalina veio com 57 familiares, mas a contribuição que deram em comida foi pouca. A casaca até que era grande. Batata, batata, batata. Farinha, farinha, farinha. Repolho, repolho, repolho. Banana frita, banana frita, banana frita. Pirarucu, que é bom, necas de pitibiribas. Adivinhem quem trouxe o omelete? Ele, José Mello.

Tantos natais, tantas crônicas (2004) promove festinha de amigo oculto com os 12 personagens mais assíduos da coluna. Sem assunto, o colunista olha para um lado, para o outro e logo aparece saltitando a figura do eterno secretário estadual de Cultura, Robério Braga, o Berinho, que jogou fora  R$3.000.000,00 num festival pirotécnico de cinema, quando 62 municípios do interior do Amazonas não possuem sala de teatro ou de cinema e apenas três deles têm biblioteca pública. A crônica reproduz ainda carta de leitor que registra arbitrariedade do Judiciário local.

Um natal com bolo e bola (2010) registra episódio ocorrido em 1955 no natal dos pobres da Paróquia de Aparecida, na quadra do Colégio. O mestre de cerimônias foi o jovem Nilton Lins - o mesmo que tempos depois criaria uma Universidade com seu nome. Ele estava penteado com toneladas de gumex, um pozinho que se comprava nas farmácias e se misturava com água deixando o cabelo duro como plástico. No meio da festa, anunciou pelo microfone uma disputa, mas só podiam participar meninos que estivessem usando naquele momento uma meia furada.

A crônica de 2010 termina como essa de hoje: desejando um feliz aniversário para duas pessoas abençoadas: minha mana Regina Nakamura (20/12) e meu amigo Rubem Rola (18/12).

* Jornalista e historiador


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