domingo, 28 de dezembro de 2014

Meu herói Wilberto Boos


* Por Urda Alice Klueger
                       

Faz 58 anos que nasceu por aqui um menino que iria ser um exemplo de vida para mim. Das pessoas das minhas relações, nunca vi outra tão fiel a si própria quanto esse menino Wilberto Boos, que conheci quando já era garoto, e que, de perto ou de longe, sempre esteve assim ao meu alcance e ao alcance dos meus amigos e da minha cidade, com sua simplicidade, sua fragilidade (sofreu muitos acidentes, principalmente por atropelamento – em um deles chegou a perder um irmão), sua simpatia... e sua tremenda força.

Eu o conhecia por Boos – penso que era assim que a maioria das pessoas o chamava. Boos, o ciclista – pois ser ciclista foi sua grande marca neste planeta, embora não fosse ciclista de competições e de medalhas: Boos era ciclista para ser feliz. Sua atividade laboral acabou sendo uma oficina de bicicletas, e quantas gerações ele influenciou com sua arte modesta! Pessoas mais velhas do que ele, e pessoas da idade dele, e pessoas mais jovens que ele, e pessoas muito mais jovens que ele, e a garotada que está chegando agora... para todos o Boos foi exemplo e foi ideal, e ele sempre foi tão fiel a si mesmo que nunca precisou fazer nada para ser tudo, para que a gente quisesse ser como ele.

Um jornalista teve a sorte de gravar um depoimento dele, onde fica tudo explicado:

“Por que eu pedalo? Pedalando descubro ou descortino a cidade onde vivo. Pedalando, olho nos olhos das pessoas pelas quais passo e as cumprimento como amigos. Pedalando eu vejo pássaros e demais seres da cidade, vejo o rio e sua dinâmica nas marés. De bicicleta consigo ver, a cada curva, uma nova silhueta do verde que ainda emoldura nossa cidade. Sinto o vento, o calor, os cheiros da cidade, a chuva, o frio, as cores e, às vezes, também a dor. Sei que não conseguiria ver tanta coisa bonita não fosse com a bicicleta, simples,silenciosa, dinâmica.É minha incansável forma de viver e ser feliz.”

Esse era o Boos. Tão completo que era capaz de fazer a felicidade de uma praça toda só por estar lá, que estimulou tanta gente a fazer tantas viagens de bicicleta, que levou tanta gente a pedalar, liderança inconteste para as mais diversas idades, e como tantos, eu também não sabia o quanto ele pedalava com dor, sequela dos seus tantos acidentes.

Acho que foi em setembro que um AVC o pegou, mesmo sendo o atleta que era. Foi muito, muito penoso o calvário que ele teve que subir a partir daí, algo com noventa dias numa UTI. Era como se ele esperasse um momento grandioso para colocar asas nos seus pedais e sair voando para lugares que ainda desconhecemos. E houve um dia tão cheio de coisas boas que ele deve ter sabido que a hora chegara. Na véspera, o mundo se enchera de coisas maravilhosas, de boas energias. Estados Unidos e Cuba reataram relações diplomáticas, depois de mais de meio século de separação; voltaram para casa os heróis cubanos que os Estados Unidos mantinha no fundo das suas prisões há 16 anos. Nesse mesmo dia, a União Européia reconheceu o direito da Palestina ser um Estado, e as FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e Exército do Povo) comunicaram que estavam entrando num período sem mais agressões por tempo indeterminado, o que está fazendo com que forças de todos os lados estejam a pressionar o governo de Bogotá a tomar também a mesma atitude. É verdade que há, ainda, muita coisa ruim acontecendo no mundo, mas eu diria que aquele foi um dia abençoado. Parece-me ver o Boos então dizendo um “Ok!” para seus anjos da guarda, e se preparar para partir. E, na madrugada, num brilhante caminho de névoas iridiscentes, Wilberto Boos pegou sua bicicleta mais uma vez, já então uma bicicleta alada, e pedalou de novo, dessa vez dentro de tanta luz que nós ainda não temos condições de saber muito a respeito.

Até à vista, Boos! Tu foste e tu és meu herói! A gente se encontra mais para a frente!



Blumenau, 27 de Dezembro de 2014.

 * Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).


          

Nenhum comentário:

Postar um comentário