segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Aula de Literatura contemporânea


O livro “O castelo de Frankenstein” provavelmente não é considerado o mais importante da carreira de Salim Miguel, esse libanês de coração brasileiro, que chegou ao Brasil com apenas três anos e que agora, aos 90 bem vividos anos de idade, se tornou uma espécie de paradigma cultural de Santa Catarina, Estado que adotou como seu. Sua obra literária é vasta, eclética e da melhor qualidade. Consiste de cerca de trinta livros, cada um melhor do que o outro. Tanto que lhe valeu, com justiça, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras de 2009, pela coerência e qualidade uniforme de seu conjunto. Talvez Salim Miguel seja mais conhecido como ficcionista, embora seja desses intelectuais (cada vez mais raros) classificados como “homens dos sete instrumentos”. Pudera! Além de escritor, é jornalista, editor, redator, crítico literário, roteirista, dono de livraria, diretor da Agência Nacional de Santa Catarina e da Editora da Universidade Federal de Santa Catarina e superintendente da Fundação Cultural Franklin Cascaes, entre outras atividades. Ufa! É, sobretudo, homem de cultura e de ação.

Muitos leitores manifestaram, por e-mail, estranheza pelo fato de eu escolher um livro lançado há tanto tempo pelo autor (em 1986) e não algum dos seus lançamentos recentes, por exemplo, “Nur na escuridão” (muitos confundem esse título achando que seja “nu” e não “nur” que de fato é), que lhe valeu o prêmio de melhor romance, tanto pela Associação Paulista dos Críticos de Arte, quanto pela Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo. Ou então “Primeiro de abril, narrativas da cadeia”, consagrada como a melhor narrativa de ficção pela União Brasileira de Escritores. Ocorre que minha intenção foi a de mostrar esta outra faceta de Salim Miguel, volta e meia ignorada, que é a de crítico literário, todavia peculiar, diferente da maioria, que foge do lugar comum e que prima pela clareza, objetividade, simplicidade, sem perder jamais a profundidade em suas análises.

Alguns leitores queixam-se que não conseguirão encontrar o livro, provavelmente esgotado (afinal, passaram-se 28 anos do seu lançamento), no que discordo. Há muitos meios de se conseguir uma obra de nosso interesse. Como? Em “sebos”, por exemplo, (hoje em dia existem muitos na internet), ou entrando em contato com a editora, ou em alguma biblioteca pública e vai por aí afora. Eu, pelo menos, nunca fiquei na mão quando me interessei por alguma publicação esgotada. Creio que o leitor atento também não fique. Cabe, aqui, um esclarecimento. Escolho livros para comentar neste espaço pelas mensagens que contêm, não importando que sejam lançamentos ou obras muito antigas (não raro antiqüíssimas). Meu objetivo não é o de promover os autores, de olho nas vendas. Se isso acontecer, muito que bem. Matarei dois coelhos com uma única cajadada. Todavia, a finalidade dos meus comentários (não confundir com crítica literária) não é, propriamente, esta. É a de refletir com vocês, que me aturam, com paciência de Jó, há já quase nove anos.

E o que “O castelo de Frankenstein” tem de tão especial? Tem tudo! E já a partir do título, aspecto que abordei em texto anterior, que é, como demonstrei, inusitado quando levamos em conta seu conteúdo. E sua originalidade se estende pelos escritores, cujas obras aborda. Se sustenta pela linguagem, sobretudo ágil, precisa e objetiva, característica do jornalista, que utiliza. E caracteriza-se pelo estilo, organização, edição etc.etc.etc. O livro está dividido em quatro partes que, entrando no espírito do autor ao denominá-lo da forma que o denominou, chamo, metaforicamente, de “aposentos” desse castelo que, embora de Frankenstein, não tem nada de assustador. Pelo contrário, só contêm beleza e verdade... e muita sabedoria.

No primeiro desses cômodos, Salim Miguel coloca escritores do Estado que ama, Santa Catarina, que adotou como seu (contudo, a adoção foi mútua). Nessa parte, traça um panorama das letras catarinenses, destacando nomes que na ocasião tinham projeção regional e já começavam a se destacar nacionalmente. Cito, entre estes, Adolfo Boos Jr., Emanuel Medeiros Vieira (cujos textos, volta e meia, publico neste espaço), Guido Wilmar Sassi, Holdemar Menezes, Ricardo L. Hoffmann e Silveira de Souza, entre tantos outros. No segundo “cômodo” estão autores nacionais, tanto os que na época se constituíam em promessas, quanto os “monstros sagrados” da Literatura Brasileira. Na terceira parte, são abordados ases das letras hispano-americanas. Finalmente, na quarta, estão cinco mestres literários mundiais que Salim Miguel confessa estarem entre seus preferidos: os italianos Ítalo Svevo e Humberto Eco, o russo Nikolai Gogol, o húngaro Alexander Lenard e o norte-americano Saul Below. “O castelo de Frankenstein” é, pois, uma aula, imperdível, de Literatura contemporânea.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. De leve, sem querer ser didático (algumas vezes foge totalmente ao didatismo), aqui também você dá uma aula, e acaba por nos tirar da escuridão.

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