sábado, 20 de dezembro de 2014

A carta do jornalista

* Por Rosana Hermann


Primeiro foi o caso do jornalista supostamente envolvido com a máfia dos bingos, demitido ao vivo, através de um comunicado lido por William Homer, digo, Bonner, no Jornal Nacional. Mas nem deu tempo de discutir o fato porque uma carta publicada por outro jornalista, ex-funcionário da Globo, logo em seguida, tomou o centro dos holofotes.


Recebi o link de vários leitores e continuo recebendo-o. (Obrigada a todos). Aliás, já são vários os links com a carta de Rodrigo Vianna.

Ontem, por conta de uma avalanche de textos, não pude ler tudo com atenção, mas consegui fazê-lo agora.

A primeira coisa que não entendi é se ele saiu por vontade própria ou se foi demitido. Isso é relevante e em geral, faz toda a diferença. Quem já passou pelas duas cenas sabe que os papéis são distintos. A segunda coisa é que o problema do jornalismo é que ele só tem duas possibilidades: ou você trabalha numa concessão pública (TV, rádio), sempre atrelada a favorecimentos políticos, ou trabalha numa empresa privada, cujos donos também têm seus interesses e ideologias. Nesse panorama é impossível existir jornalismo isento. Mais fácil acreditar em mula sem cabeça do que em jornalismo com isenção.

Na minha opinião, o grande problema está acima da existência ou não da isenção partidária no jornalismo. Um veículo poderia ter sua posição CONTANTO QUE ELA FOSSE ABERTAMENTE ASSUMIDA.

Se fosse dito assim: a rede tal é PSDB, a outra rede é PT e assim por diante, seria pelo menos mais honesto com o telespectador. E com os funcionários.

O problema é que em geral, tudo é velado. Você pode tanto ser demitido porque falou mal de um afeto da empresa como pode ser demitido porque ...elogiou um desafeto. Porém, como não é algo assumido, você não sabe nem ao menos o que pode ou não pode ser dito. Se pelo menos as regras fossem claras, cada um poderia se posicionar. Mas não. Tem que ficar esperto pra tentar entender nas entrelinhas. Quem é mais safo, puxa o saco e fica. Quem é mais impetuoso, impulsivo e tem mais opinião, uma hora se dá mal. De laranja, de goiaba, sem saber de onde veio o tiro. Acontece muito. Não sei se é assim em todo lugar, mas acredito que sim. Empresas são pessoas jurídicas com fins lucrativos e dinheiro, você sabe, não tem escrúpulos.

Mas não se iluda. O cinema é a arte do diretor, o teatro é arte do ator e a tv é a arte do patrocinador. Se tiver patrocínio e verbas do governo, a emissora vai bem. Se não tiver, vai mal.

Num cenário mais amplo, somos um país muito corrupto, o sistema todo é corrompido. Não é de hoje que político é dono de rádios, jornais e retransmissoras de TV. É assim que muita gente vem sendo eleita e reeleita, usando o poder da comunicação para seus interesses próprios. E o pior: o povo acostumou tanto que vota em todo mundo que é famoso. Não quero entrar em brigas sobre votos, mas convenhamos, você contrataria uma faxineira que não sabe limpar a casa? Uma cozinheira que nunca cozinhou? Você iria a um médico que nunca estudou medicina? Poria seu filho numa escola onde os professores nunca deram uma aula? Então por que as pessoas elegem, contratam pelo voto, pagando com nosso dinheiro público, pessoas que dizem abertamente que não fazem a menor idéia do que vão fazer, não entendem absolutamente nada de política e estão lá sabe-se D'us por quais interesses? Realmente, pagar 15 salários por ano, mais benefícios, 12 mil reais com reajuste a ser dado, para que a pessoa 'aprenda' o ofício para o qual foi contratada é de uma inocência chocante.

Diante de tudo isso, fica a lição: o importante é sempre, sempre, estar alerta para absorver as informações com critério, com sabedoria. Ter olhos para ver não só o que a gente quer e acredita, mas também o que nos incomoda. Não podemos ter medo do novo ou de descobrir que perdemos nossas ilusões. É melhor acordar tarde do que viver enganado.

E, felizmente, a Internet não é de ninguém.

Pelo menos, por enquanto.

Ainda há um pouco de liberdade. É por ela que temos que lutar. Para tê-la, mantê-la e usá-la com humanidade e inteligência.

*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.



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