terça-feira, 30 de setembro de 2014

Os caranguejos e a língua portuguesa

* Por Clóvis Campêlo

Nunca gostei muito de comer caranguejos. Sempre achei isso um sacrifício exagerado para pouco resultado.

Segundo a Wikipédia, os caranguejos, também conhecidos como uaçás, auçás e guaiás, são crustáceos da infraordem Brachyura, caracterizados por terem o corpo totalmente protegido por uma carapaça, quatro pares de patas (pereópodes) terminadas em unhas pontudas, o primeiro dos quais normalmente transformado em fortes pinças e, geralmente, o abdômen reduzido e dobrado por baixo do cefalotórax. Os pleópodes se encontram na parte dobrada do abdômen e, nas fêmeas, são utilizados para proteção dos ovos. Ou seja, é muita carapaça a ser superada para se chegar nas carnes minguadas. Sinceramente, amigos, do caranguejo só curto o pirão feito com o caldo do seu cozimento e farinha de mandioca. Um prato tipicamente nordestino e delicioso.

Tem gente que gosta, porém. A minha cunhada Lizane, por exemplo, é uma exterminadora de caranguejos. Chega a consumir quinze ou mais de uma só vez, devidamente acompanhados pelo precioso líquido de uma cerveja estupidamente gelada.

Mas, para mim, além da carapaça quase intransponível, os caranguejos também me confundiam quanto à maneira de escrever o seu nome. Em vez do ditongo (nome que se dá à combinação de um som vocálico com um som semivocálico emitidos num só esforço de voz, ou numa mesma sílaba), durante muito tempo utilizei o tritongo – carangueijo, erradamente, com uma vogal e duas semivogais. Um caranguejo cheio de letras, para um escritor cheio de “pernas”, como eles. Um escriba pereópede.

Talvez estivesse eu a precisar, como a boneca Emília, de Monteiro Lobato, de uma visita ao País da Gramática, livro escrito e publicado pelo escritor paulista em 1934. Nele, a língua é figurada como um país, povoado por sílabas, pronomes, numerais, advérbios, verbos, adjetivos, substantivos, preposições, conjunções, interjeições, etc.Alguns críticos afirmam que Lobato escreveu o livro sob o estigma da vingança, por ter sido reprovado, aos quatorze anos, numa prova de português.

Pode ser. Mas o livro não deixa de ser interessante e criativo, onde as palavras são hierarquicamente classificadas de acordo com a sua importância na construção da frase. E faz do conhecimento gramatical um processo agradável.

Mas, depois dessa agradável digressão, voltemos aos caranguejos para finalizarmos essa cronica que já se alonga. Nos anos 60, no Pina, no local onde hoje se ergue o Shopping Rio Mar, nos os caçávamos de andada, em tempo de trovoadas, ou em armadilhas feitas com latas de óleo vazias. Com a maré baixa, deixávamos as armadilhas com as iscas na entrada das locas, no final da tarde. No outro dia, pela manhã, era ir buscá-las com os caranguejos presos.

Mas isso era no tempo em que o Recife tinha mangues fáceis e fartos...

Recife, setembro 2014

* Poeta, jornalista e radialista, blogs:


2 comentários:

  1. Gostei de tudo, e quanto a parte gastronômica, também não me animo a derrubar tamanha barricada para comer as "minguadas carnes". Prefiro o casquinho de caranguejo. Nele, o trabalho já vem feito e é muito gostoso.

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  2. É por aí, Mara. Já experimentou o pirão? Quando vier ao Recife, não deixe de fazê-lo!

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