quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Esperança e vida


* Por Pedro J. Bondaczuk


A esperança é a última que morre. Quem nunca ouviu esse clichê tão surrado, repetido “ad nausea” milhões de vezes, mundo afora, nas mais variadas circunstâncias e ocasiões? Vou mais longe: quem nunca o utilizou ao se referir a sonhos considerados impossíveis (que, na maioria das vezes, de fato são) que, no íntimo, acredite que venham, de alguma forma, a se concretizar? Todavia (e creio que isso seja ponto pacífico), ninguém pode apenas se limitar a esperar que as coisas aconteçam, sem agir em sentido prático para a sua concretização.

É preciso empenho, paciência, sabedoria e muita determinação para atingir objetivos, desde que estes, logicamente, sejam factíveis. E, mesmo assim, jamais podemos ter certeza absoluta do êxito. Até porque, o sucesso, seja naquilo que for, não depende apenas de nós (pelo menos na maioria dos casos). Envolve muitas outras pessoas e, sobretudo, determinadas circunstâncias, que nos sejam favoráveis. Ademais, não há colheita sem semeadura, é óbvio (embora muitos ajam como se houvesse essa miraculosa possibilidade).

Mesmo se plantarmos, estaremos sujeitos a uma série de fatores que podem redundar ou não em sucesso. Plantando, por exemplo, o terreno escolhido tem que ser fértil. Pode, porém, ser estéril e, por isso, não produzir coisa alguma. Se não for inadequado no que se refere à fertilidade, é o clima que, muitas vezes, tende a não ajudar. Pode ocorrer, por exemplo, excesso (ou falta) de chuva, ou calor em demasia, ou geada, ou chuva de granizo, ou outro acidente climático qualquer, arruinando, dessa maneira, todos os nossos esforços. Ou, ainda, a semente utilizada pode ser ruim e sequer germinar. Ou pragas podem ocorrer (à nossa revelia, claro), tornando o nosso empenho inútil e vão. São muitos, como se vê, os fatores que ameaçam fazer da colheita uma enorme frustração.

Contudo, se tivermos plantado, teremos alguma esperança, mesmo que mínima, de que possamos colher alguma coisa, mesmo que não na quantidade e sem a qualidade que pretendíamos. Quem não plantar, no entanto... Este sim terá uma certeza que será absoluta: a de que não colherá coisíssima alguma. Na vida também é assim.

A maioria, porém, tende a esperar, esperar, e esperar, mesmo que não tenha movido um só dedo para concretizar o que tanto deseja e que sequer saiba se o que espera lhe será um bem ou um mal. Não raro lhe é nocivo. Mas e daí? É seu sonho, seu ideal, sua obsessão até.

É fartamente conhecida a composição de Chico Buarque de Holanda (grande sucesso popular, se não me falha a memória, dos anos 70), intitulada “Pedro pedreiro”, e que diz, em determinado trecho: “Pedro pedreiro espera o Carnaval./E a sorte grande do bilhete pela federal todo mês./Esperando, esperando, esperando, esperando o sol,/esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem,/esperando a festa, esperando a sorte/e a mulher de Pedro está esperando um filho pra esperar também”. E não é assim que as coisas acontecem? Claro que sim! Todos somos, em certa medida, como o Pedro pedreiro.

Graham Greene constata a respeito, no livro “O cônsul honorário”: “Nada é inelutável. A vida tem surpresas. A vida é absurda. Porque é absurda, sempre há esperança”. E há mesmo. Só que ela pode se transformar em desespero, em decepção, em mágoa, em uma enorme frustração, o que é bastante comum.

Muito já se escreveu, e outro tanto poderia ser escrito, sobre esse comportamento, caracterizado pela inação, e que, por essa razão, é sempre estéril. Jamais resulta em frutos. Afinal, como diz Geraldo Vandré, em sua tão conhecida canção, que inclusive foi bandeira de luta de toda uma geração que se opunha à ditadura militar no Brasil naqueles que ficaram conhecidos como os “anos de chumbo”: “esperar não é fazer./Quem sabe faz a hora/não espera acontecer”.

Todavia, um dos textos mais pitorescos a respeito da esperança foi escrito por Mário Quintana. Trata-se de afirmação inteligente e instigante por ser, sobretudo, lógica. E de uma lógica irrefutável. O poeta afirma, em determinado trecho: “O ditado diz que, enquanto há vida, há esperança. Eu digo que enquanto há esperança, há vida. Porque nunca foi encontrado, em nenhuma parte do mundo, num bolso de um suicida, um bilhete de loteria que fosse correr no dia seguinte. Ele esperaria, ao menos, para comprar o revólver de ouro”.   

Há como refutar tamanha lógica? Claro que não! A esperança, obviamente, está necessariamente num tempo futuro. Não há, é evidente, como esperar que nos aconteça o que quer que seja num tempo que já passou. Por isso, não cansamos de fantasiar, mesmo que não venhamos a nos dar conta, um período promissor, além do instante presente, em que as coisas nos serão sumamente favoráveis (no mínimo melhores do que atualmente). Em que as circunstâncias atuarão a nosso favor, as peças se encaixarão por si sós, à nossa revelia, e seremos amados, bem-sucedidos e felizes para todo o sempre. Mas a vida não é assim.

É lícito, é válido e até é necessário que tenhamos esperanças. Contudo, estas devem sempre vir acompanhadas de ações, para que não se tornem estéreis, fantasiosas, inúteis e não se transformem em fontes inesgotáveis de mágoas e de frustrações. Afinal, nosso futuro individual (e também da espécie) será, exatamente, aquele que construirmos com nosso esforço, talento e persistência (“com uma ajudazinha providencial do acaso, claro”, eu aduziria, sem pestanejar).

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 



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