quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Quinze anos

* Por Gustavo do Carmo

Somente aos quinze anos Michel descobriu quem era a sua mãe. Foi criado pelo pai, Roberval, funcionário público, enquanto ela, Yvonne, jornalista, viajava o mundo como correspondente internacional de uma emissora britânica de televisão.

Quando começou a namorar Roberval, Yvonne era apenas uma repórter de jornal local e ele um imaturo dependente do dinheiro do pai. Quando engravidou de Michel, obrigou o namorado a fazer um concurso público ou arrumar um emprego. Roberval estudou e foi aprovado na Caixa Econômica Federal. Casaram-se antes do bebê nascer. Antes de Michel completar quatro meses de vida, Yvonne foi transferida para São Paulo, ainda de licença-maternidade.

Loucamente apaixonado pelo Rio, a ponto de ter ciúmes do estado vizinho, Roberval sequer se interessou em pedir transferência para acompanhar a esposa. Resultado: o casamento acabou e Roberval ficou com o bebê. Com o consentimento de Yvonne. Não queria que o filho interferisse no seu crescimento profissional. A jornalista acreditou que ele teria boas condições de cuidar da criança e prometeu visitá-lo quando pudesse. Em contrapartida pediu que o ex-marido levasse o menino a São Paulo para visitá-la. Nenhum dos dois cumpriu a promessa.

O trabalho de Yvonne apertou tanto que ela se esqueceu do filho. Não ligava e não costumava visitar nas folgas, a não ser uma única vez nas férias, quando o menino ainda engatinhava e não a reconhecia. Cinco anos depois, virou correspondente internacional em Paris. Viajou com o novo marido, Laurent, um rico e cinqüentão empresário franco-paulista. 

Indignado com a falta de consideração da ex-mulher, Roberval se recusou a visitá-la e levar Michel. E ainda passou a esconder do filho a fama da mãe. Yvonne até mandava cartas e depois e-mails, mas Roberval queimava e deletava. Roberval se transformou no pai e na mãe de Michel. Sequer casou-se de novo. Sustentou o menino com todos os mimos e carinhos, dando ensino particular, roupas e tudo o que ele queria.

Mesmo assim, Michel não se apegou emocionalmente ao pai. Gostava dele e respeitava a sua autoridade. E ainda lhe dava orgulho sendo um menino estudioso e bondoso. Mas o tratava com frieza. A situação se agravou quando Michel completou quatorze anos e começou a cobrar o paradeiro da mãe. Aos quinze, descobriu que era filho da famosa correspondente internacional Yvonne de Souza.  Um colega de escola havia notado uma grande semelhança física da jornalista com o amigo. Desconfiado, Michel investigou e descobriu a verdade quando achou uma carta de Yvonne.

Roberval tentou desmentir o filho. Dizia que ele era muito ingênuo ao se achar filho de uma mulher famosa. Mas Michel jogou na cara do pai a carta escondida. Imediatamente exigiu que Roberval o levasse para Paris para conhecer a mãe. Discutiram violentamente. Michel o acusou de lhe esconder a mãe. Roberval se defendeu acusando Yvonne de ter trocado o filho pelo sucesso profissional. Michel disse que a mãe queria conhecê-lo e reafirmou que ela também acusou o ex-marido na carta de ter lhe escondido o filho único. 

Para não perder o pouco de amor que o filho lhe dava, Roberval juntou suas economias e parcelou em doze vezes uma viagem a Paris para Michel encontrar a mãe. O encontro não aconteceu. Yvonne estava de férias e viajou. Para Dubai. Com o namorado.

Michel ficou decepcionado. Desistiu de conhecer Yvonne e perdoou Roberval por ter sonegado as mensagens que a jornalista mandava. Já Roberval conquistou o tão sonhado apego de Michel. E ainda levou de troco uma cumplicidade inédita. Pai e filho se divertiram em Paris como dois solteirões boêmios.


* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu  blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores



Um comentário:

  1. O amor é algo mais complexo do que se imagina, especialmente o amor de mãe. Ou a inexistência dele.

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