sábado, 23 de agosto de 2014

Estâncias

* Por Teixeira de Melo

Lembra-te, ó anjo, que eu te amei um dia;
Lembra-te, ó anjo, que eu por ti chorei.
LUÍS DELFINO

Oh! laisse-moi t’aimer pour souffrir en moi-même;
Pour te donner ma vie et n’en parler jamais!
Oh! tais-toi; ne crains rien; si tu veux que je t’aime
Je te remercierai comme si tu m’aimais!
F. SOULIÉ
Lembra-te, virgem, lembra-te um momento
Do teu último dia de criança,
Que o teu silêncio sem querer enchia
De hinos de amor ungidos d’esperança!
Tinhas então no olhar a morbideza
Da infância que pressente a mocidade;
Tinhas na fronte o selo da beleza
E n’alma a sombra vaga da saudade.
O tempo foge, ó virgem, como o vento!
A mocidade é flor que pouco dura!
Tudo sussurra e passa... até que apenas
Um ciprestre nos marque a sepultura.
Amemos como à luz as mariposas,
Como a flor ama o orvalho que a remoça!
Amar não é topar pela existência,
Como a topaste, um’alma irmã da nossa?
O amor é a vida na mulher que um dia -
Ao passar pelo espelho - se achou linda.
Ama e vive, mulher! quando morreres...
Quando morrermos... viverás ainda!
Viverás nestas pálidas endechas
Como a imagem louçã da mocidade:
A primavera foge, mas meus cantos
Talvez levem teu nome à eternidade...
A vida sem amor é um deserto
Em que a sede desvaira a caravana!
É como o mar, que indiferente canta
E arremeda o carpir da dor humana!
Amemos hoje que a tormenta foge
E vai por outros céus rugir agora!
A mim, que te hei de amar por toda a vida,
Branca pomba do céu, ama-me um’hora!
Se não podes amar-me ao menos deixa
Que eu te dê meu porvir e mocidade:
Ninguém o saberá! Hei de escondê-las
Essas horas de amor e felicidade!
Hei de esquivar da luz os meus suspiros,
Embalar no silêncio o meu amor;
Mas deixa o coração seguir-te ao menos
Como a sombra da flor persegue a flor!
Hei de abafar o coração no peito!
Hás de mesmo pensar que te esqueci!
Mas não hei de sofrer os teus sarcasmos,
Embora eu me votasse inteiro a ti.
Ai mulher! ai mulher! que eu não te veja
Messalina de amor vender teus beijos,
Tu, que tens no pudor um véu d’encantos
Que o mundo não manchou com seus desejos.
Deixa que eu beba o ar que povoares
Das lembranças de tempos mais serenos;
Não hei de não trair-me, embora sofra!
Deixa o meu pensamento amar-te ao menos.
Sempre risonho, descuidado sempre,
Embora morra, hipócrita da dor!
Hei de fugir de ti, embora a vida
Também me fuja a mim com teu amor.
Quando passares rezarei baixinho
Uma prece por ti - tímida e pura;
Depois, quando eu morrer, vai tu sozinha
Desfolhá-la na minha sepultura.
No tronco do chorão que me der sombra
(Não tremas de remorso ou de piedade!)
Grava teu nome e passa... e vai bem longe
Vender a um outro a tua mocidade.
Que suplício, mulher! que dor de Tântalo
Suspirar pela morte amando a vida!
Que nunca saibas, tu, como eu te amava,
Nem como a minha dor é desabrida!
O sol dessa ventura que me negas
Alumie teus últimos momentos!
Depois... pelos teus sonhos vaporosos
Hás de ouvir, mas já tarde, os meus lamentos.
Então te lembrarás dos meus medrosos
Cantos de amor ungidos de esperança...
Lembra-te, virgem! lembra-te um momento
Do teu doce abandono de criança!

(Sombras e sonhos, 1858.)



* Poeta, membro da Academia Brasileira de Letras

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