domingo, 17 de agosto de 2014

De Nei para Alex

* Por Woden Madruga

Volto às gavetas desarrumadas na vã e repetida tentativa de ordenar as coisas ali jogadas há décadas. Pra começo de conversa, dou de cara com um exemplar da revista Status, com o selo “”Extra Inédito”, no frontispício da capa onde está estampado o título “Vinte contos latino-americanos”. No rodapé, lê-se: Com vinte ilustrações de Aldemir Martins”. Ainda na capa os nomes dos vinte contistas selecionados. Sete são brasileiros: José J. Veiga, Rubem Fonseca, Sérgio SantAnna, Ricardo Ramos, Dalton Trevisan, Roberto Drummond e Nélida Piñon. Quatro mexicanos: Juan Rulfo, José Revueltas, Juan José, Carlos Fuentes. Três argentinos: Julio Cortazar, Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares. Dois uruguaios: Eduardo Galeano e Juan Carlos Onetti. Um peruano, Vargas Llosa; um boliviano, Augusto Céspedes; um paraguaio, Augusto Roa Bastos, e um cubano, Alejo Carpentier.

Procuro a data da edição. Passo e repasso todas as páginas. Não encontrei. Nem na capa nem na contra-capa nem na lombada. No expediente, também não. Confiro que os editores são Domingos Alzugaray e Luís Carta que, também, é o diretor editorial. O redator chefe, Gilberto Mansur. Entre os colaboradores, destaco: Paulo Francis, Ignácio de Loyola, Daniel Más, Joelmir Beting, Odylo Costa Filho, Mauricio Kubrusly e Lew Parrela. Timaço. No índice dos contos, têm duas notas. A primeira: “”O humor deste número é do cartunista mais sofisticado de nossos tempos: o francês Sempé”.  A segunda nota diz assim: “”Todas as ilustrações são de autoria de Aldemir Martins que dispensa maiores comentários”. O grande artista cearense.

O texto de abertura, assinado por Gilberto Mansur, com o título “”Um Status Literário”, começa assim: “”A partir deste momento, o leitor vai conhecer - em sua própria língua - alguns dos contos mais importantes da literatura latino-americana”. Para mais adiante, esclarecer: “”Algumas ausências - de estrangeiros e brasileiros - se deve apenas ao fato de que, no momento, não havia nada de inédito desses autores: é o caso - para citar apenas dois exemplos - de Garcia Márquez e de Murilo Rubião, que breve estarão nas páginas dos números normais de ‘’Status’”’”.

Acho que essa edição especial de Status, toda dedicada à literatura (são 130 páginas), é dos meados dos anos 70, aí por 1974/1975.  A Status era uma revista masculina, criada pela Editora Três, fundada por Domingos Alzugaray em 1974. Tempos depois seria engolida pela Playboy. A revista IstoÉ, criada em 1977, pelo mesmo grupo, sobrevive e está entre as principais revistas semanais do país. A Editora Três tem outros títulos, como Planeta e Dinheiro Rural.

Entre as páginas dessa edição especial de Status, encontrei uma carta de Nei Leandro de Castro endereçada a Alex Nascimento. Tenho mania (o meu analista ainda não descobriu o porquê) de guardar bilhetes, cartões, cartas, recortes de jornais, entre páginas de livros e revistas. Também não sei explicar por que esta carta de Nei para Alex veio  aparecer agora entre as páginas de Status. Não é cópia, não, é o texto original. Bom,  na próxima sessão com o analista, Professor Seabra, tentarei uma explicação.

Da carta

Hoje, dia 15 de agosto, consagrado a São Roque (que dedicou  a sua vida a ajudar os enfermos em todas as cidades onde viveu),  transcrevo por inteiro a carta de Nei (onde é citado Carlos Drummond de Andrade) que foi escrita no Rio de Janeiro em 14 de janeiro de 1987:

"Alex, mon amour,

Faz um calor igualzinho ao de Jucurutu. Em compensação, as mulheres estão quase nuas, com as tetas ao léu, como se diz além-mar. Algumas das ditas cujas tetas chegam a puir as blusas sob as quais elas as tetas bicam e balançam. Ai, Jesus.
Para compensar ainda mais esse calor jucurutuesco (pior do que o senegalesco), acabo de receber um cartão de Drummond que, aos 84 anos, quem diria, caiu de quatro pelo caboclo Ojuara. Segue xerox, para as devidas providências, como você as julgue providenciais.

Estou mandando dois Pascas. Um procê (a alemãzinha precisa aprender a nossa língua, via sacanagem), outro para o pasquineiro WM, mais amigo do peito do que o velho Bromil.

Me diga uma coisa, seu sacana: você já sabe o novo significado de altruísta? Eu ouvi mal ou o puto do César já andou dizendo coisas e lousas? Porra, ninguém pode confiar em confidentes de mesa de bar. São todos uns lulas guimarães, uns danilos bessas, uns redes rasgados.

Olha, por via das dúvidas, passo a limpo as palavras do mestre Drummond. Diz ele:

Obrigado pelo que se diz sobre Tempo Vida Poesia. E também sobre a remessa-relâmpago da declaração de rendimentos.
Não vamos trocar elogios, mas quero reafirmar a primeira impressão de leitura de As Pelejas de Ojuara. O diabo do livro me prendeu e fascinou. Sou sensível, antes de tudo, à arte da escrita, e tocou-me a graça do seu estilo, que torna a leitura uma festa. A gente vive o personagem, suas aventuras, seu destino. E isso é ficção da boa.

Quanta coisa aprendi na riqueza do seu vocabulário!

Abraços, com a admiração do Drummond”.

A remessa-relâmpago, se você quer saber, diz respeito a um trabalho que o poeta fez para um cliente da Assessor. No mais, é um ego tão dilatado pela mensagem recebida, que chegou a um vigésimo do tamanho do ego de Franklin Jorge em posição de descanso. Abraços. Beijo na alemãzinha, com um demorado acento de ternura. Escreva, seu puto!
Nei. 

João Ubaldo

Outro bilhete de Nei, agora manuscrito, datado de 16 de outubro de 1981. Pelo jeito e pelo papel de redação da TN, acho que foi escrito em Natal:

Woden amigo,

Tudo bem? A gente precisa se encontrar. Recebi uma carta (excelente) do João Ubaldo e gostaria de mostrar a você.
Na próxima, eu apareço na TN.

Abraços, Nei”.

* Jornalista e colunista do jornal Tribuna do Norte de Natal/RN

      

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