quinta-feira, 17 de julho de 2014

Medidas de importâncias

A importância que alguma coisa ou pessoa tem para nós pode ser mensurada e colocada numa espécie de escala? Caso possa ser medida, qual o parâmetro mais adequado a se adotar para essa mensuração? Bem, não sei se podemos, ou se conseguimos ser pragmáticos a esse ponto. E muito menos se essa atitude é a melhor ou não, se é necessária ou desnecessária, se é justa ou injusta. Nem tudo que importa para mim também importa a Fulano, Sicrano ou Beltrano. Cada ser humano é um mundo, um universo, uma realidade ímpar. Pode haver dois bastante parecidos, mas rigorosamente iguais não existem.

A importância de coisas e pessoas depende de uma série de fatores, entre os quais a educação, a experiência. a visão de vida de cada um, os objetivos que têm, suas expectativas e aspirações e, sobretudo, as circunstâncias de cada qual. Como todos,  tenho minha escala pessoal de valores. Conto com um conjunto do que tenho certeza que me é importante. E, mais do que isso, do que me é essencial e, portanto, imprescindível (posto que sem graduação). Tudo o que me importa está no mesmo patamar ou quase. Trato da questão na primeira pessoa não por eventual vaidade ou por me julgar melhor do que alguém, mas por saber, pelo menos razoavelmente, o que penso, sinto e quero. Já em relação a outros... só posso presumir.

Qual o critério que adoto para identificar essas importâncias e sua intensidade? Bem, o principal, e mais comum (posto que não único) é a intuição. Em princípio, todas as pessoas, conhecidas ou anônimas, são importantes para mim, pelo menos potencialmente. Umas, por serem indispensáveis no aspecto material, por me prestarem (remuneradas ou não) serviços essenciais à minha saúde, sobrevivência, segurança e conforto. Outras tantas são importantíssimas do ponto de vista afetivo, por me apoiarem, protegerem, amarem, entenderem, ensinarem, aconselharem etc.etc.etc., como os casos dos meus pais, dos parentes, dos mestres, dos amigos e vai por aí afora.

Já no que diz respeito a coisas que me importam – concretas ou abstratas, tanto faz – adoto por critério de medida mais ou menos o que Manoel Barros caracterizou muito bem em um texto dele que li há certo tempo. O poeta pantaneiro escreveu a propósito: “(...) a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com balanças, nem barômetros etc. (...) A importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”. O que não me encanta ou encante muito pouco, tem, pois, para mim, pouco ou nenhum valor, por mais que valha para outros. Para mim, tanto faz tê-las como não tê-las. Passo muito bem sem elas.

Quando me refiro a encantamento, não estou pensando na acepção lata que os dicionários emprestam ao termo, ou seja, “no efeito sobrenatural dos supostos poderes mágicos, feitiço, sortilégio”. Até porque não creio nessas coisas, que entendo serem frutos apenas da imaginação de crédulos e supersticiosos. Levo em consideração o sentido figurado. O metafórico e até poético. Ou seja, penso no significado de “encanto, enlevo, sedução”. Ou, em termos mais práticos, “na sensação ou estado de quem é tomado por uma grande admiração por algo ou alguém”. No primeiro caso, no do “algo”, destaco a literatura, tanto como escritor, ou seja, seu agente ativo, quanto (e principalmente) como leitor, como ávido consumidor de palavras, conceitos, idéias, experiências etc.etc.etc. No segundo, no do “alguém”, vem-me, de imediato, à mente a figura da pessoa amada.

Quem já se apaixonou, e de fato, principalmente, quem está apaixonado, sabe ao que me refiro. Sabe a agitação, física e mental, que a simples visão do objeto do seu (do nosso) amor lhe (nos) desperta. Pena que, por nossa omissão e desleixo, essa sensação raramente perdure pelo resto de nossas vidas. O mais comum é deixarmos que esse sentimento tão poderoso e transcendental esfrie e às vezes até desapareça. Não raro, em casos extremos, por uma razão ou outra, transforma-se mesmo em ódio mortal. Essa é uma das coisas que nunca entendi e jamais irei entender. Mas, como constatou o poetinha Vinícius de Moraes, “o amor é eterno... enquanto dura”. É um paradoxo? Sim! Contudo é o que acontece numa infinidade de casos. Infelizmente.

Para mim, porém, as mulheres que amei jamais perdem a importância, pelo tal critério do “encantamento”. Aliás, é impróprio o tempo do verbo amar no passado. De uma forma ou de outra, as amadas permanecerão como tal enquanto eu existir. Nada, e ninguém, as apagarão da lembrança. Já que citei tantos poetas, nada melhor, para encerrar estas insólitas reflexões de hoje, do que recorrer a um deles, no caso o português Teixeira Pascoaes (que viveu entre 1877 e 1952). É dele este belíssimo soneto, que partilho com vocês, que me são tão importantes:


Encantamento

Quantas vezes, ficava a olhar, a olhar
A tua doce e angélica figura,
Esquecido, embebido num luar,
Num enlevo perfeito e graça pura!

E á força de sorrir, de me encantar,
Diante de ti, mimosa criatura,
Suavemente sentia-me apagar...
E eu era sombra apenas e ternura.

Que inocência! que aurora! que alegria!
Tua figura de anjo radiava!
Sob os teus pés a terra florescia,

E até meu próprio espírito cantava!
Nessas horas divinas, quem diria
A sorte que já Deus te destinava!

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Ainda não tinha pensando nisso. Em principio, a lista começa com os que me fazem sentir bem e depois chegam os que eu os faço sentir bem.

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