segunda-feira, 21 de julho de 2014

A batalha na Criméia

* Por Elaine Tavares

Na Rússia, a opinião da maioria das pessoas comuns, é de que Putin está mais do que certo em defender o povo da Crimeia. Segundo eles, a Crimeia sempre pertenceu a Rússia e só se anexou à Ucrânia, numa divisão artificial feita durante o regime soviético. "Quando a Crimeia foi cedida à Ucrânia ninguém imaginava que a URSS iria se acabar um dia. Estava todo mundo junto". Por outro lado, a "culpa" sobre tudo o que acontece agora é atribuída ao ex-presidente Boris Ieltzin. Contam os russo que quando a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas se acabou, o então presidente da Ucrânia  perguntou a Ieltzin se ele gostaria de ter novamente sob o controle territorial da Rússia a região da Crimeia, e ele teria dito que não. "Também naqueles dias ninguém imaginava que a Ucrânia seria um dia governada por nazistas".

É por isso que a opinião pública russa respalda as ações de defesa da Crimeia. Porque entende que é dever do governo russo proteger os russos que vivem naquela região. No geral, as pessoas mais simples, que estão no plano da consciência ingênua, reputam a guerra à apenas esse ponto, sem levar muito em consideração os demais motivos que levam, inclusive, os Estados Unidos a apoiarem o movimento reacionário/nazista que hoje domina a Ucrânia. Não é levado em conta o fato de a Ucrânia ser um espaço estratégico de dominação, não se discute o fato de o conflito estar no centro de uma disputa de geopoder que envolve a Rússia e a recusa do governo em ceder aos chamados de coalizão com a Europa, aliada histórica dos Estados Unidos. Na verdade, a Rússia segue firme no propósito em fazer parte de outro bloco de poder, que dialoga com os EUA, mas não se subordina. O parceiro principal segue sendo a China, configurando assim o bloco sino-russo que cresce em força. Um exemplo disso é o recorrido que Putin fez nas últimas semanas pela América Latina, buscando atrair velhos aliados e puxando novos parceiros para o bloco.

Nas cidades mais distantes da fronteira com a Crimeia, a guerra é só uma coisa que acontece nas telas da televisão. E ela só se concretiza nas famílias que têm algum parente na região. Ainda assim, o apoio aos russos que vivem na Ucrânia é incondicional.

Agora, com a notícia da queda do avião da Malásia, supostamente derrubado por um míssil, a guerra de informação esquenta ainda mais o conflito. De um lado, os neo-nazis que dominam a Ucrânia acusam os pró-russos de terem disparado o também suposto míssil. Do outro, os pró-russos acusam os neo-nazis de terem derrubado o avião  pensando ser o que levava Putin de volta à Rússia. A história toda é muito controversa. Primeiro porque não se tem certeza de que foi um míssil que derrubou o avião. E segundo, porque as pessoas sabem que na guerra, a primeira vítima é a verdade.

Basta recordar os motivos que levaram os EUA à guerra com o Afeganistão ou o Iraque, todos eles baseados em mentiras que, mesmo depois de terem sido desmascaradas, não mudaram em nada o andar dos fatos. O Iraque foi destruído, o Afeganistão foi destruído e os Estados Unidos nunca responderam  pelos crimes que cometerem e seguem cometendo nesses países.

O que se vê agora são os blocos de poder se movendo do mundo, cada um tentando buscar mais força para expandir seu domínio. Nessa movimentação, a conta sobra para alguns que, desgraçadamente, estejam no caminho desses desejos. Assim, vê-se uma frente de batalha na Palestina, com Israel buscando exterminar de vez o povo que heroicamente resiste, sendo uma pedra no sapato para o bloco estadunidense que quer dominar totalmente a entrada para o Oriente Médio, e outra frente na Ucrânia que, sob o domínio neo-nazi, parceiro dos EUA, será um caldeirão fervente na porta da Rússia, sempre a incomodar. O projeto do bloco EUA/Europa é controlar o gás e se apropriar das riquezas mineirais e energéticas que são grandes no país.

A guerra "quente" está em ação e como sempre acontece, nenhum argumento moral impedirá que as coisas sigam seu curso. Coisas "sem importância" como a vida de centenas de milhares de pessoas não serão levadas em conta. O que interessa mesmo é o tabuleiro de domínio que está à frente dos governantes. Lá embaixo, na vida real, os "peões" são eliminados sem qualquer pudor. Não está dado nas coerências operacionais dos que fazem a guerra o sentimento de compaixão pelos que, para eles, só atrapalham o projeto de poder. Por isso que clamar por paz ou justiça aparece quase como um gesto inútil, como tem sido na luta pela desocupação do Iraque, Afeganistão e Haiti. Resta aos que sofrem viverem sua dor em solidão.

Muita bomba vai rolar no rastro de mais uma imolação feita em nome da guerra, como parece ser o caso das 280 pessoas mortas  pela queda ou explosão do avião da Malásia. Seja lá o que for que tenha acontecido, tenha sido um míssil ou um problema técnico, isso será usado por todos os lados para reforçar os argumentos de cada um.


* Jornalista de Florianópolis/SC

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