quarta-feira, 18 de junho de 2014

Um povo que não sabe perder

* Por Fernando Yanmar Narciso

É difícil de acreditar que o complexo de vira-latas, conceito pensado e entalhado a golpes de pedra lascada por Nelson Rodrigues, continua tão enraizado na mente do brasileiro comum. Mesmo com todos os avanços que tivemos nos últimos 20 anos, mesmo com a vida dos pobres e da classe média jamais tendo sido tão boa, ainda há quem acredite que o Brasil não é capaz de produzir coisa boa, que não merecemos ser respeitados pelo resto do mundo.

E pouca coisa é capaz de exemplificar tão bem este sentimento como a famigerada Copa do Mundo de 2014. Ei, amiguinhos, sabiam que o Brasil está sediando uma copa? Nããããããão, ta falando sério? Uma copa, aquela gringaiada rica e bonita, nesse país detestável, de onde eu só não fugi porque meu salário não deixa? Larga mão de ser besta, rapaz, uma coisa dessas não é pro nosso bico! Tinha era que ser num país com condições para sediá-la, como Estados Unidos, Canadá, Alemanha, China, Dubai...

Se quando conquistamos o direito de sediá-la, o país todo torceu e vibrou, a coisa mudou totalmente de figura sete anos depois. Essa má vontade com a copa em solo tupiniquim começou provavelmente há uns dois anos, quando os figurões da FIFA, a múmia do Joseph Blatter e o estropício do Jérome Valcke, cheios de panca e narizes empinados, começaram a fazer cobranças aos organizadores do torneio, como naqueles tempos em que o país devia até as calças ao FMI. Esse é o prazo, agora obedeçam se não quiserem que tiremos a copa do Brasil! Ui, a audácia da pilombeta!

Assim como a FIFA, nosso povo começou a duvidar da capacidade do governo de erguer “arenas” faraônicas, e o que nos revoltou foi saber que tínhamos tanto dinheiro para construir estádio, mas em compensação em outras áreas continuava tudo aos pedaços. Que espanto, a gente não tinha ideia que o país era tão rico! Tamanha arrogância de Valcke e Blatter, aliada à insistência em exigir o tal “padrão FIFA” e a mais que esperada demora em entregar as obras no prazo atiçou a ira dos coxinhas recalcados e emergentes do país.

Anyway, estudando friamente a situação, tanta má vontade e fúria do nosso povo poderiam ter sido evitadas se nossos patrões “fifenses” tivessem calçado a sandália da humildade e pedido desculpas ao nosso povo... E assim, brasileiro voltou a se menosprezar, inclusive grandes celebridades voltaram a depreciar abertamente o país e seu povo em entrevistas, como Paulo Coelho, Roger Moreira, Lobão, Ney Matogrosso e nosso embaixador da copa, Ronaldo Morsa.

E a revolta teve seu ápice na tarde de quinta-feira passada. Antes que me perguntem, admito ter achado a dança de abertura, mesclando a sensibilidade enlatada estrangeira com nossas danças típicas, um tanto chocha, artificial e previsível, apesar de ter sido um balé maravilhoso. Talvez se tivessem colocado Darth Vader, Mickey Mouse, King Kong e Godzilla jogando uma pelada com o Fuleco, a plateia teria aplaudido com mais empolgação...

Lá fora do estádio os Black Blocs e as “puliça” faziam exatamente o que se esperava deles, mas ninguém podia nos preparar para aquele coro ruidoso de impropérios impronunciáveis, dirigidos pelos ricos e emergentes que puderam comprar ingressos, à nossa presidente e ao chefão da FIFA, que sequer tiveram peito para dar a outra face à tapa. Eu teria posto a boca no mundo mesmo assim e tentado conquistar a platéia, como se espera que um estadista tenha a habilidade para fazer. Incrível como a imprensa internacional fingiu que esse momento histórico, em que o país rejeitou abertamente sua presidência, sequer existiu!

E na partida de estreia do Brasil contra a Croácia sobrou pra todo mundo: Detonaram o gol contra do Marcelo, o pênalti, até o momento, polêmico pedido por Fred, pra acusações mais que comuns de que o governo comprou o juiz e a copa... Mas bastou a seleção cantar o hino aos berros- Enfim, aprenderam a letra!- e ganhar o jogo por 3 x 1 para nossa nação repleta de pitbulls reacionários e hidrófobos receberem sua dose cavalar de antirrábica e quietarem o facho. Quanto mais bravo o touro, maior o gosto de toureá-lo.

Ainda que exista um ou outro mau perdedor raivoso se manifestando internet afora e que os vândalos ainda estejam prometendo pôr o país na chon até o fim do torneio, parece que o esporte venceu mais uma vez. RUMUAU ÉQUIÇA, BRASIL!

*Escritor e designer gráfico. Contatos:
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cyberyanmar@gmail.com

Um comentário:

  1. Alguns aspectos concordáveis, outros discordáveis, mas em geral, uma análise relativamente ampla. Acredito que a maior revolta do povo foi quanto a termos muito dinheiro e só sabermos disso depois, quando os ricos e superfaturados estádios já estavam construídos. Agora é torcer pelo Brasil.

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