quarta-feira, 25 de junho de 2014

O vendedor de pomadinha

* Por Fernando Yanmar Narciso

Minha primeira copa, ou pelo menos a primeira que assisti prestando atenção e torcendo pelo Brasil, foi o tetracampeonato de 94, conquistado pela polarizada seleção de Parreira. Logo, vocês podem adivinhar que cresci acostumado a ver uma seleção sempre jogando na retranca e com placares compactos, uma realidade totalmente adversa ao futebol-arte que fez nossa fama em torneios passados. Em minha tenta inocência de dez anos de idade, chamava os comuns placares rasos de 1 X 0 daquela seleção de “goleadas”.

Era quarta-feira de manhã, uma noite após o angustiante e morno jogo de Neymar F.C contra o México. Ah, não fossem aquele goleiro mágico dos cucarachas e nosso “moicânico” craque carregando sozinho o peso do país em seus ombros raquíticos, nossa sorte teria sido outra. Um empate de zero, logo após a vitória gorda, porém problemática, que conquistamos na estreia contra a Croácia, precisaria de mais que algum Prozac e vodca barata para ser exorcizada...

Na avenida, embaixo dos semáforos, destoante dos já tradicionais malabaristas e cuspidores de fogo (falo dos artistas circenses, não dos escapamentos), havia uma figura no mínimo pitoresca. Um cavalheiro supostamente mexicano, alto e meio balofo, de sombreiro e camisa da seleção mexicana, provocava os motoristas esperando o sinal abrir, tentando vender frascos de “Hipoglos caseiro”, para aliviar as supostas dores de seus colegas latinos.

Olha só, eu não sou médico ou coisa parecida, mas Hipoglos não é usado pra aliviar assaduras no CENSURADO? Concordo que os reis da pimenta Jalapeño e da tequila José Cuervo deram uma canseira na gente, mas não me lembro de ver nenhuma bola deles obstruindo nossa privacidade furicular. Mesmo assim, o mariachi de sinal celebrava e curtia com a cara dos transeuntes como se eles tivessem acabado de vencer a final da copa contra nós.

Pior que aquele que não sabe perder com dignidade, só o outro que comemora empate como uma vitória humilhante sobre o adversário, e empate de ZERO, ainda por cima... Um recadinho pros colegas chicanos: Bola alta só conta como ponto se balançar a rede, não se explodir no topo da trave! Foi tanto chute alto pra fora ou defendido por J.C que chegou a lavar a alma do saudoso Roberto Baggio.

Depois de um começo quentíssimo da copa mais controversa desde a de 1978, repleta de memoráveis zebras, certos times desconhecidos dando uma verdadeira lição de garra ao mundo e placares acima dos 3 X 0 feitos rotina -incluindo aí um verdadeiro fuzilamento da Alemanha sobre Cristiano Ronaldo F.C de 4 X 0 e o vexame da atual campeã Espanha, que sequer conseguiu se classificar pra próxima fase, começaram a surgir indícios de que estamos numa copa moderna...
Se há uma coisa que me afasta do futebol fora das copas são os odiosos placares de 0 X 0, 1 X 0, 1 X 1... Quer coisa mais deprê que entrar em campo, suar mais que um tirador de “ispríto” e sair do gramado de mãos abanando ou com só um gol de vantagem? Por isso os americanos costumam não levar “soccer” tão a sério, pois trata- se de um esporte onde simplesmente não há satisfação imediata, e placares elásticos são como rugas no rosto de Kylie Minogue ou celulite na bunda de Cláudia Leitte: Praticamente extintos e protegidos pelo IBAMA.

De qualquer forma, o mundo está diante de um torneio revisionista e imprevisível. O que costumamos pensar ao ter notícias de partidas como, por exemplo, entre Itália e Costa Rica ou entre Argentina e Irã? Seriam verdadeiros passeios no parque para os times grandes, milionários e ajumentados, certo? Não mais. Como quando o Sepultura tornou-se a mais conhecida banda de heavy metal do mundo ao vencer as hegemonias norteamericana e européia no gênero, os ratinhos dos países colonizados pelos europeus de repente aprenderam a rugir, e não raro mais alto que os times considerados “bichos-papões” desde sempre.

Sem sombra de dúvida, a tarde mais surpreendente dessa copa foi a do último dia 21. Leonel Messi F.C, quer dizer, o “time” da Argentina precisou ser amaciado heroicamente por 90 minutos pelo determinado e nojentaço time iraniano, numa legítima batalha de trincheiras de onde Messi conseguiu extrair um mísero gol no último minuto da partida, que deve ter feito muito hermano enfartar por aí... Um único gol chorado que foi comemorado como um 5X0 por nossos vizinhos portenhos. Boa sorte nas oitavas!

Na mesma tarde a Alemanha, que após humilhar um dos grandes favoritos ao título em 2014, precisou suar muito os lederhosens e quase chorar lágrimas de sangue para tentar quebrar o empate de 2x2 contra Gana, que heroicamente segurou o resultado até o fim. Como aparentemente tudo pode acontecer nessa copa amaldiçoada, é mais que compreensível o receio que o torcedor brasileiro sofre às vésperas de enfrentar Camarões, seu último sufoco rumo à segunda fase do torneio.

Nunca nasceram tantas zebras no planeta como nesse mês de junho. Nem lá na África! Esperamos ainda estar aqui após as 19:00 de hoje... E que a nação quadriculada também tenha apagado o sorriso do rosto do vendedor de pomadinha do sinal ao fim da tarde!

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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