quinta-feira, 19 de junho de 2014

Conversa de botequim

O gostoso do futebol são as discussões que ele suscita. Calma, não estou me referindo àqueles conflitos verbais rancorosos, azedos, eivados de palavrões, que não raro terminam em brigas e coisas piores. Quando falo disso, estou pensando naquela conversa informal entre amigos de verdade, dos que realmente se gostam e se respeitam irrestritamente, mas que torcem para times diferentes. Ou que, embora torcendo para os mesmos clubes, têm opiniões diversas sobre determinados jogadores, técnicos ou lances polêmicos. Gosto dessas discussões. Claro, desde que em alto nível. Elas não resultam em nada prático, destaco. Mas são uma forma de estreitar amizades e de propiciar momentos agradáveis entre pessoas que se gostam, mas que, nem por isso, precisam concordar em tudo.

São discussões que ocorrem, em geral às segundas-feiras, por exemplo, nas empresas, na hora do café ou no intervalo do almoço. Ou que se dão no pátio das escolas, ou na casa de algum desses amigos ou, o que é mais comum, no botequim do bairro, regado a cerveja, com acompanhamento de tira-gostos. Desde que não haja intruso no grupo e os participantes se conheçam e se estimem, essas tertúlias podem durar horas, com muita risada e não raro, com alguns palavrões, proibidos para menores. O mais comum são as caçoadas de torcedores de times que venceram na rodada para cima dos adeptos dos perdedores. Reitero, porém, que você precisa conhecer de fato a pessoa com quem está brincando, saber que se trate de alguém que aceite numa boa essas brincadeiras, além de não reagir mal quando chegar a sua vez de ser zoado.

Já vi muita amizade, que parecia sólida e resistente a qualquer abalo, dessas antigas de décadas, acabar, e não raro de forma violenta, tudo por causa somente de uma discussão de futebol. Afinal, este “esporte das multidões” mexe demais com paixões. E estas, às vezes, são incontroláveis e se manifestam espontâneas, à nossa revelia. E mais, já testemunhei brigas de família, sobretudo entre irmãos, em que, por exemplo, um era torcedor da Ponte Preta e outro do Guarani, clubes de Campinas que mantêm há mais de um século rivalidade das maiores do País. Neste caso (não vou identificar os brigões) a desavença os manteve separados por anos, embora, no fundo, no fundo, ambos se gostassem até demais. Quando participo dessas rodinhas e percebo que o clima está esquentando, extrapolando a simples brincadeira, não tenho dúvidas: invento algum pretexto, peço licença e me retiro. Nunca perdi amizades por causa de discussões ou gozações envolvendo futebol.

Sou do tipo de pessoa que aceita qualquer brincadeira, desde que esta não signifique falta de respeito. Em contrapartida, sou gozador contumaz. Escolho, porém, a dedo com quem irei zoar. Não raro, quem mais brinca comigo não aceita numa boa quando me disponho a lhe dar o troco. Quando isso acontece, embora “o sangue me suba à cabeça”, me controlo, dou um jeito de me retirar discretamente, mas evito, daí por diante, essa pessoa.  Quem age dessa maneira, não é e nem pode ser meu amigo. Nunca briguei, porem, com nenhum deles. Pra quê se o mundo é tão grande e há espaço suficiente para todos?!

Há os que são tão apaixonados por seus times, que mais do que torcedores, agem como fieis de uma religião. Tolice, claro. Com estes, evito brincar. Aliás, não só isso, mas evito discutir até algum lance polêmico ou qualquer coisa que se refira a esse esporte, que, no fundo, no fundo, é um jogo. Depende, portanto, não somente da habilidade de atletas, mas de fatores aleatórios, de circunstâncias inesperadas que determinam resultados. Mesmo quando não participo diretamente dessas discussões ou caçoadas, gosto de observar as reações dos participantes. E aprendo muito sobre o comportamento das pessoas e de como elas administram suas paixões ou se deixam levar por elas.

A polêmica mais recente de que participei refere-se, lógico, à Seleção Brasileira. Afinal, vivemos clima de Copa do Mundo e bem em nossa casa. Foi logo depois do empate, por 0 a 0, entre o Brasil e o México. A imensa maioria dos que estavam no grupinho, em um botequim do bairro, defendia que Felipão deva fazer alterações na equipe para o jogo contra Camarões. A substituição mais pedida era a de Paulinho, mas com muitas divergências sobre o substituto. Para muitos, Wiliam deveria entrar no posto. Outros tantos defendiam as entradas ora de Hernanes, ora de Ramires. Muitos desses pedidos (se não todos) tinham tudo a ver com paixões clubísticas. Imagino se o Felipão participasse dessas discussões e se dispusesse a atender essas reclamações. Sua cabeça viraria um trevo!

E qual a minha opinião a respeito? Bem, eu, se fosse o técnico da Seleção Brasileira, escalaria exatamente o time que conquistou a Copa das Confederações, até para este ganhar conjunto com vistas ás próximas etapas da competição, a menos que algum jogador esteja machucado e sem condições de atuar. Claro que quando expus essa opinião, fui “brindado” com sonora vaia, pior do que aquelas que as torcidas da Fonte Nova e, principalmente, do Maracanã destinaram ao atacante Diego Costa por sua opção de defender a Seleção Espanhola, e não a Brasileira. Não me abalei e, como estava entre amigos que estimo e confio sem restrições, não fiquei calado. Defendi, com paixão (e, modéstia a parte, sou muito bom em convencer pessoas com a força somente de argumentos, sem precisar gritar ou apelar para palavrões), minha opinião.

Não convenci todo mundo, é verdade. Contudo, não me abalei, não me irritei e nem sequer me decepcionei. Afinal, como já dizia o polêmico, mas genial, Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”. E detesto burrice. Porém, para meu consolo, não posso considerar minha defesa fracassada. Estou seguro que convenci pelo menos a metade das vinte pessoas que participavam daquela agradável “mesa-redonda” de botequim (na verdade gostosa tertúlia, regada a cerveja e acompanhada de tira-gostos). Nada mau, não é mesmo? Só não sei se as pessoas que se mostraram, ou se disseram convencidas por meus argumentos o estavam de fato ou se agiram assim em nome da estima que têm por mim. E isso importa? Nesse caso, para mim, não!!!

Boa leitura.


O Edito

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Um comentário:

  1. Impossível, assim como no esporte discutido, encontrar tal situação ideal de pressão e temperatura, como se dizia na química. O normal é ter briga feia e irreversível.

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