sábado, 28 de junho de 2014

As índias do Equador

* Por Urda Alice Klueger

Estive, em setembro último, no Equador, de onde só tenho lembranças lindas. Se o paraíso terrestre ainda existisse, com certeza seria parecido com o Equador.

Estive em Quito, e viajei pelo Norte do país. Eu diria que Quito tem a população mais parecida com a do Sul do Brasil que já vi pelas Américas, mas o Norte do Equador, com cer­teza, é índio.

Que paixão que são aquelas meigas e lindas índias, do Equador! Estivera, três anos antes, na Bolívia, país que, com certeza, se caracteriza pelas suas índias coloridas e tão diferentes de nós, de acordo com suas etnias e línguas, e ficara com a impressão de que todas as índias do mundo deviam parecer-se com elas. Que surpresa, então, ao chegar ao Equador!

Viajei pela região de Otavala, San Antonio e Ibarra, pátria do artesanato mais lindo do mundo, e região das índias mais limpinhas, mais cheirosas e mais lindas que se possa imaginar. Elas usam, no dia a dia, seus trajes típicos: saias pretas até o tornozelo, blusas brancas muito finas, bordadas com maravilhosa maestria, engomadas e muito bem passadas; ao pescoço, carregam um peso enorme em ouro: são dezenas, talvez centenas de correntinhas de bolinhas de ouro que, se colocadas todas juntas, devem ter uma espessura de uns 5 cm ou mais, curtas correntinhas que ficam junto do pescoço, e que formam como que um pedestal pa­ra os seus rostos de rara beleza. É claro que, nos dias atuais, aquelas correntinhas todas não poderiam ser de ouro de verdade - elas, hoje, são compradas aos magotes, em feiras populares - mas algum dia, no passado rico daquele país, com certeza as antepas­sadas daquelas índias lindas devem ter usado o mais legítimo ou­ro. Usam, ainda, para completar o traje, umas sandalhinhas do mais delicado feitio, três finos fios de couro branco se entrelaçando de uma forma que nunca havia visto.

Para completar o traje de uma dessas índias, deve haver um bebê às costas. Eles ficam dependurados às suas mães por uma faixa preta bordada, e são uma graça, com seus olhinhos negros espiando o mundo.

O mais desconcertante nesse conjunto de índias e bebês, é a simbiose perfeita como eles vivem. Fizemos diversas viagens de ônibus com muitas índias cheirosas e limpinhas, e eu não me cansava de espiar o que acontecia: as índias entram nos ônibus com os bebês às costas; sentam-se nos ônibus com os bebês as costas, viajam até o final sem tirar os bebês das costas, e não os machucam. Elas têm um jeitinho especial de sentar-se sem se encostar, e eu ficava espiando e vendo como os bebês, quando elas se sentavam, se arrumavam direitinho, os pezinhos dobrados sobre o banco dos ônibus, numa posição confortável e sem dor. São bebês que nunca choram, já que estão sempre bem juntinhos das mães nunca precisam ter medo ou se sentirem abandonados.

A História nos conta que o último dos grandes Imperadores Incas conquistou o Equador, e que lá, apaixonou-se perdidamente por uma índia. Os imperadores Incas sempre tiveram muitos filhos, mas só poderia ser herdeiro do trono o filho mais velho, tido com a mulher legítima. Isto tinha sido assim desde os primórdios do império, e sempre tinha funcionado direitinho. O último dos grandes imperadores já tinha o seu herdeiro legítimo e, teoricamente, a sua sucessão estava resolvida. Foi aí que en­traram as índias do Equador no meio. Foi louca a paixão do Impe­rador Inca pela índia de Quito; com ela teve um filho, com o novo filho quis dividir seu Império, e o fez. Quando ele morreu, os dois filhos passaram a brigar pela posse total do Império, e estavam os Incas divididos por uma guerra civil quando os espanhóis chegaram nas suas terras. Povo dividido é povo fraco (isto serve de reflexão para os separatistas do Sul do Brasil), e os espa­nhóis puderam vencer sem mais problemas os guerreiros do grande Império americano.

O Império Inca caiu por causa de uma índia do Equador. Eu estive lá, e as vi, e entendi. Elas são tão lindas, tão meigas, tão delicadas, tão cheirosas, que podem virar a cabe­ça de qualquer imperador. O Grande Imperador da América do Sul perdeu o tino, a cabeça e o coração por uma delas, e acabou destruindo o seu Império. Mas basta a gente olhar para elas para en­tender.

Blumenau, 11 de janeiro de 1997.

* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR


Nenhum comentário:

Postar um comentário