segunda-feira, 28 de abril de 2014

A carta de despedida


* Por Vitor Orlando Gagliardo


Após 50 anos de uma carreira política marcada pela corrupção e abuso de poder, chegava ao fim a vida do senador “Sou ladrão mesmo, e daí?”. Após todos os rituais fúnebres, comoção pública e uma enxurrada de homenagens na mídia, era chegado o momento da abertura do testamento.

O advogado da família, o “Dr. Eu suborno o júri”, reuniu a esposa “Amélia que era mulher de verdade” e os dois filhos do casal: o publicitário “Me paga que eu minto” e o empreiteiro “Palace II”.

Com a voz embargada e os olhos cheios de lágrimas, o advogado começou seu discurso.
- ‘O senador “Sou ladrão mesmo, e daí?” era um grande político, homem, pai de família e um verdadeiro amigo – nesse instante o advogado começa a chorar. – Ele não fez necessariamente um testamento, mas uma carta de despedida. Vou lê-la nesse instante.

Querida família,
em meus muitos anos de vida, deixei muitos inimigos e tenho medo que de alguma forma, eles possam prejudicá-los. Pensando nisso, preparei esta carta com algumas instruções:
1 – Caso necessitem de dinheiro, procurem o banqueiro “Juros 80%”. Ele me deve muitos favores.
2 – Tenho muitos laranjas e empresas frias para justificar nossas 250 mil cabeças de gado. Portanto, não se preocupem com o imposto de renda.
3 – Procurem o senhor “Fazemos qualquer negócio”, proprietário do BPL, Banco dos Políticos Ladrões. Ele vai ajudá-los com a movimentação do dinheiro.
4 – Deixei dossiês completos contra inúmeros políticos. A senha do cofre é ‘quem não chora não mama’.
5 – A PF está desconfiada que subfaturei obras públicas em minha gestão como governador. Eles estão certos. Como vocês acham que comprei nossa mansão em Miami? Enfim, procure o “Dr. Quebra galhos”. Com algumas notas de cem ele resolverá esse problema.
6 – “Amélia que era mulher de verdade” saiba que sempre a amei, mas preciso lhe fazer uma revelação: tenho seis filhos fora do casamento. A pensão é paga pela empreiteira “Não compre que vai cair”.
7 – Para meus filhos ensino: ingressem no mundo da política e espero que coloquem em prática todos os meus ensinamentos. Jamais se esqueçam: nunca digam a verdade para o povo. Fale aquilo que eles querem ouvir e prometa o que jamais cumprirá.
8 – Peço desculpas por todas as dores que causei. Menti, roubei, manipulei e até matei, sempre pensando no bem-estar da minha família. Espero que possam me perdoar, pois não me arrependo.
9 – Não esqueçam de cobrar meu troco de R$ 7,32 da farmácia “Remédio de pó de farinha”.
10 – Esse documento precisa ser destruído após sua primeira e única leitura.
Inutilia truncat (1)
(1) Acabe com as inutilidades.


*Jornalista - govitor@yahoo.com.br

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