domingo, 23 de fevereiro de 2014

Preâmbulo do que se propõe a ser longa narrativa

A figura de João Ramalho é das mais fascinantes e, simultaneamente, mais bizarras da História do Brasil. Daquela remota, quinhentista, dos primórdios da colonização. Muito se escreveu sobre ele, todavia é impossível distinguir fatos históricos de lendas nas diversas narrativas. Ou seja, não dá para separar realidade de ficção (esta fruto, claro, de pura imaginação). Aliás, bizarro e misterioso não é somente o perfil desse aventureiro português, mas também os de personagens que orbitam ao seu redor, com os quais esteve intimamente relacionado. Destes, claro, a principal é a índia Bartira, que João Ramalho viria a desposar, após conviver com ela, maritalmente, por cerca de 40 anos

Para que o casamento cristão fosse celebrado pelos jesuítas, foi necessário que ela se convertesse à fé católica. E ela converteu-se. Recebeu um novo nome – Isabel Dias – e os registros de São Paulo de Piratininga assinalam que se tornou mulher pia, dada a caridade, financiadora de igrejas e de capelas, que morreu aos 87 anos de idade, respeitada e reverenciada. Apesar de casada oficialmente com João Ramalho, fez vistas grossas ao insaciável apetite sexual do marido, que teria gerado três centenas ou mais de filhos com outras índias. Com Bartira, gerou nove..

Outra figura intimamente ligada ao aventureiro português é o seu sogro, o cacique Tibiriçá, importantíssimo na defesa da nova cidade surgida no Planalto de Piratrininga, que viria a se transformar nesta gigantesca e caótica metrópole mundial, que é a atual São Paulo. Conforme registros da época, não fosse sua providencial intervenção, à frente dos seus bem adestrados e leais guerreiros – muitos dos quais netos, filhos de João Ramalho – a então incipiente e frágil vila teria sido arrasada por tribos inimigas dos portugueses, notadamente dos bandeirantes e não seria, óbvio, este colosso que é.

Não tenho a menor condição de assegurar se os dados de que disponho sobre essas fascinantes figuras, candidatas naturais e evidentes a personagens marcantes de novelas, são verídicos ou não. Ou seja, é impossível determinar se são documentos autênticos ou meras lendas, contos e mitos, posto que calcados em pessoas que de fato existiram. O escritor Raimundo de Menezes optou pela prudência neste caso. Tanto que denominou o capítulo dedicado ao aventureiro português e aos personagens a ele relacionados, de seu livro “Aconteceu na velha São Paulo” (Coleção Saraiva, 1954), de “A lenda de João Ramalho”. Eu não chegaria a tanto. Todavia, não ponho minha mão no fogo pela autenticidade e veracidade dos supostos documentos a propósito.

Embora se trate de algo tão lógico que dispensa justificativas, apresso-me em declarar que, por maior que seja meu poder de síntese, é rigorosamente impossível tratar de pessoas tão complexas e controvertidas e que viveram em tempos tão remotos  num único texto, ou mesmo em meia dúzia deles. Farei, portanto, meu relato do jeito que mais gosto. Ou seja: meticulosa e didaticamente, sem me importar com estilo, pirotecnias verbais ou extensão. Só não decidi, ainda, se redigirei esses textos em sequência ou se alternados com tantos outros assuntos que requeiram minha atenção. De qualquer forma, no entanto, conto com sua benevolência (e paciência) nessa aventura literária pelas primitivas trilhas, compreensivelmente misteriosas, da nossa História (ou estória, já que boa parte do que será exposto pode não passar de ficção?).

Para esses relatos, contarei com várias fontes, embora tome como “fio condutor” da narrativa, até por questões de entendimento, das informações que colhi na enciclopédia eletrônica Wikipédia. Embora não se trate do tal romance que me propus a escrever tendo João Ramalho e suas peripécias como personagem central, pretendo que estas narrativas tenham pelo menos dupla função: a de servir de base para a obra ficcional que pretendo encarar e, simultaneamente, a de terem vida autônoma, como uma espécie de ensaio mais extenso do que o usual. Essa empreitada vai me exigir (já está exigindo) horas e mais horas de estudos, que não considero, contudo, como tempo perdido, já que o esforço representa a retomada de um ambicioso projeto, originalmente nascido há praticamente duas décadas.

Este prolongado preâmbulo, embora pareça “enrolação” do editor, (garanto) não a é. Tem dupla função. A primeira é a de emprestar certa ordem à narrativa, com princípio, meio e fim. A segunda, por seu turno, é a de determinar um conjunto de regras que pretendo seguir nessa empreitada, necessário para disciplinar os textos, dar-lhes coerência e assegurar sua simplicidade e clareza. E poderia citar, ainda, uma terceira finalidade: esta seria a de criar  certo clima de suspense nos que se disponham a realmente ler (e não se limitar, apenas, a ligeira passada de olhos) o que tenho e o que me proponho a redigir. Mas por hoje... paciência...

Boa leitura.

O Editor.  


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Um comentário:

  1. Disciplina e método você tem de sobra. Quanto a curiosidade, está devidamente acordada.

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