sábado, 22 de fevereiro de 2014

Livro bom, livro ruim

* Por Isabel Furini

Na oficina “Como escrever um livro”, que oriento há muitos anos, houve uma discussão quando uma aluna disse: “Comecei a ler o Senhor dos Anéis, um livro muito mal escrito”. Um colega contra-argumentou: “Eu gostei do livro. Se você não gostou, é um problema seu, isso não quer dizer que não seja um bom livro, só que não agrada a todos os leitores”.

E eu tive que desafiar o grupo com uma pergunta:

- Será que existe um livro que agrada a todos os leitores?

Uma senhora respondeu: - A Bíblia.

Um rapaz retrucou: - Será que ateus gostam de ler a Bíblia? (Risos)

Alguém disse: - Machado de Assis.

Apoiou um senhor idoso: - Isso mesmo.

Um aluno não esteve de acordo: - Minha tia não gosta de Machado de Assis, porque uma professora obrigou-a a ler O Alienista no colegial, na época que havia colegial...

- E os Lusíadas de Camões?

Silêncio na sala. Por fim, um rapaz disse: - Será que todos leram Os Lusíadas? Eu nunca vi esse livro na lista dos mais vendidos. E será que todos aqueles que leram apreciaram o livro? Ou alguns têm medo de falar que não gostaram e de parecer burros?

A discussão continuou por algum tempo. Por fim, eles mesmos chegaram à conclusão de que existe um livro aceito por todos os leitores. Existem livros aceitos pela maioria dos leitores, os best-sellers. Existem livros aceitos pela maioria dos intelectuais, em geral, livros que ganham prêmios importantes. Mas sonhar que um livro será apreciado e aplaudido por todos os leitores é algo muito difícil de acontecer. Talvez impossível em um país livre. Cada cabeça é um universo. Tem suas nuances. Sua história pessoal. Seu olhar único.

É tão fácil criticar o trabalho de outrem e tão difícil criar e realizar uma obra de arte que o aforismo fala “a crítica é fácil, a arte, difícil”. É assim mesmo, ver o erro no trabalho dos outros não leva muito tempo, por exemplo, observar um quadro e criticar pode levar questão de minutos.

Ler um texto e sentir desagrado também não leva muito tempo, em geral depende da dimensão do texto a ser lido. E, às vezes, nem isso. O leitor começa o texto e nem dá chances... já forma uma opinião ao focar as primeiras frases. E é muito interessante que a maioria das pessoas não fala: eu gostei, ou eu não gostei do texto, ela afirma: “está muito bem escrito”, “está mal escrito”, ou pior ainda, “esse é um bom escritor”, “esse escritor é ruim”, como se umas poucas frases fossem suficientes para julgar a obra completa de um autor.

“Eu não gostei desse livro” é uma frase honesta. “Esse livro é ruim” é uma frase fruto da arrogância, que tenta mostrar que a opinião dessa pessoa tem valor universal. Parece que ela está gritando: “Ei! Não leiam esse livro! Eu não gostei e ninguém deve gostar dele. Eu já falei, esse livro é ruim. Escutem meu recado”.

É comum em concursos literários haver pessoas insatisfeitas, aqueles que não ganharam, logicamente. Algumas dessas pessoas, ao conhecer os poemas ganhadores, enviam e-mails dizendo: “O poema que ganhou o primeiro lugar não é bom”. E não adianta. O poema precisa ser bom para os jurados. Às vezes eu também não fico contente com um trabalho que conquista o primeiro lugar, mas fico em silêncio pensando que cada ser humano tem vivências e ideias diferentes e que é preciso aprender a respeitar a escolha dos outros.

========================


& Isabel Furini é escritora e poeta premiada, autora de “,,, E OUTROS SILÊNCIOS” que foi lançado em 08 de julho/12.

Nenhum comentário:

Postar um comentário