quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Ele delegou

* Por Marcelo Sguassábia

Que não se conteste a infalibilidade do Arquiteto Supremo: na sua concepção original, a obra era realmente perfeita, e vinda Dele não poderia ser diferente. Mas, pelo que a ciência moderna vem apurando, Ele foi obrigado a delegar. Até porque Ele tinha - e sempre teve - mais o que fazer. E perder 7 dias com a criação dessa poeirinha cósmica que é o nosso planeta seria muito desperdício, mesmo o Autor sendo eterno.

É claro que, passando a bola a terceiros e tendo apenas uma semana de prazo para entrega das chaves, não ia dar pra ficar perfeito. Mundo perfeitinho, sem retoques, precisa de pelo menos uns 20 dias pra ficar pronto. Daí pra mais. Mal comparando com o falível plano terreno, é como muito arquiteto que tem por aí: inventa as coisas, larga na mão de gente mais ou menos e depois não aparece para acompanhar a obra. Aí, dá nisso: seres humanos com duas orelhas em vez de três, um nariz só no lugar dos quatro regulamentares, pescoços com torcicolo, coração que falha, artéria que entope fácil, chulé, hérnia de disco…

Do ponto de vista geológico, depois de pronto, parecia até que estava tudo em ordem no mundo. Mas não deu 4 bilhões de anos e já começaram a pipocar os problemas. Por exemplo, a porção de terra que existe no planeta. No projeto, era pra ser um bloco só - inteiriço, liso, bonitão. Na pressa, o barro desandou e depois de seco acabou rachando e ficou do jeito que é hoje, esses imensos pedaços de chão com água passando no meio, que a humanidade acabou organizando na forma de continentes e oceanos. Em seguida vieram as rachaduras, aparecendo pra tudo quanto era canto. O pessoal que mora no mundo chama de terremoto. Se acrescentassem um pouquinho mais de argila e rochas firmes na mistura, talvez evitassem esse problema. Agora é tarde pra reclamar, porque garantia de construção é de apenas 5 anos, aqui e em qualquer outro ponto do Universo.

Matéria-prima de segunda parece ter sido a causa das estrelas cadentes, que na verdade não foram concebidas para cair, bem como dos barulhentos gansos – que se dependesse do Criador seriam tão mudos quanto os cupins.

Nuvem não era para ter, o céu foi criado para ficar sempre aberto e azulzinho. Porém, para que não precisasse chover nunca, o sol tinha que ser colocado num ponto muito mais distante, a fim de que o excesso de calor não interferisse no equilíbrio biológico. Sempre esbaforidos e correndo contra o relógio, os empreiteiros instalaram o astro-rei onde deu, sem atinar com as consequências. Resultado: derretimentos polares, desertificação, tsunamis, efeito estufa e um sem número de outras anomalias. A lua até que ficou no lugar certo, embora não tenha lá muita serventia. Consta que o projeto inicial previa três outras luas, formando uma espécie de colar satelital ao redor do globo. Hoje se sabe que a ausência do adorno se deu por desvio de material, que acabou indo pra outra obra de lua em andamento, no planeta Júpiter. Que aliás tem 17 luas oficialmente reconhecidas, todas aparentemente inúteis.


* Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).




Um comentário:

  1. Um mundo quase perfeito e com algumas imperfeições. Gostei da falta de serventia da lua. Discordo do autor apenas num ponto: céu sem nuvens não daria certo.

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