segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Uma prece

* Por Núbia Araujo Nonato do Amaral

Mal acorda e já espia o tempo. É  pequenina, mas não gosta de fazer corpo mole. Adora os dias de calor, quando a água da bica negaceia e elas rumam  pro açude. Engole o pão dormido com uma caneca  de café, prende o cabelo por exigência  da mãe, é liso por demais e tudo o que é  enfeite escorre e perde-se no caminho.

Segue a mãe, colada ao seu calcanhar. Vai cantando uma musiquinha que fala de um peixinho. Sabe cantar tudo não, então  só murmura. Os miúdos pulam no açude enquanto as mães enchem as gamelas.  Contida, espera a sua ordem pra se aguar um pouco.

Séria, ela lhe ordena pra ficar na beirinha, pois lá pro meio tá cheio de buracos.  Esquece-se da menina e cai na lida. Só se dá conta da sua ausência com o som das crianças gritando.  Acode daqui! Acode de lá!

Dona Nena, magrela que só nada bem, resgata seu tesouro que, assustada, pula em seu pescoço.  As lavadeiras entoam uma canção pra Deus, que perdeu um anjo, mas ganhou uma prece.

 * Poetisa, contista, cronista e colunista do Literário


Um comentário:

  1. Uma vez quase que um "chupão" me levou, mas uma prima que estava ao meu lado, percebeu e me puxou. O nome dela é Márcia Prates. Linda e bem contada a sua história Núbia. Docinha, docinha, ainda que dramática.

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