quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Respeitem a barba!

* Por Fernando Yanmar Narciso

Por que a saga do azarão fascina tanto as pessoas? Pode haver uma ou outra coisa mais satisfatória que ver aquele sujeitinho comum, que pode estar na sua frente na fila da padaria ou olhando os carros no estacionamento passar por todas as agruras que o destino possa oferecer, vencendo um desafio atrás do outro até completar um objetivo, que nem mesmo a família dele acreditava ser possível que conseguisse, e tornar-se o grande herói da nação. Mas, sinceramente, não a conheço.  Rocky Balboa fez de vencer os percalços sua razão de viver, o Chapolin Colorado morre de medo dos inimigos, mas de algum modo- quase sempre por acidente- consegue virar a mesa nos últimos cinco minutos de todo episódio e reconquistar o respeito de quem o havia chamado.

Sei que falei sobre a luta livre há alguns dias, agora lhes escrevo sobre a grande inspiração daquele artigo, pois nessa categoria de heróis também podemos encaixar o novo queridinho da América, o lutador profissional Daniel Bryan. Ironicamente nascido em Washington, o garoto cresceu fascinado pelos homenzarrões de sunga e botas na década de 80, brincando de executar os golpes-assinatura de seus ídolos nas almofadas do sofá.  Se fosse possível comparar luta livre ao futebol, Bryan seria o Amarildo da copa de 62. De estatura normal, pálido devido ao veganismo, atlético sem parecer um cavalo e cultivando juba e barba enormes, é praticamente um John Lennon sem os óculos.

Mas deixa só ele subir no ringue pra ver o que acontece! O homem é uma ferinha, voa quase tão alto quanto um capoeirista e traz agilidade e variedade de ataques a um esporte em geral metódico e arrastado. Após ganhar vários prêmios na adolescência e tornar-se meio que um astro nas promoções underground mundo afora, ele enfim abriu os olhos do bom e velho Vince McMahon em 2010. Após penar um bocado na liga amadora da WWE, o Dragão Americano, como era conhecido na época, foi convocado para a liga principal da empresa anos mais tarde.

É aí onde reside o seu problema. Como ele não lembra em praticamente nada os mastodontes que McMahon costuma vender aos fãs como heróis da empresa, ele e os roteiristas da programação da WWE parecem não saber o que querem fazer com ele até hoje... Não que isso importe para os fãs do cara! O grande apelo do atleta é que ele se parece com qualquer um de nós, você provavelmente topou com ele na rua hoje e nem percebeu. A galera nos estádios percebeu isso e não pára de gritar seu nome, apenas não parece ter caído a ficha de seus empregadores ainda...

Antes que vocês venham implicar comigo, eu sei que tudo isso faz parte do personagem que ele interpreta, que luta livre é armada e os atletas/ atores apenas seguem o roteiro, mas o mesmo pode ser dito de filmes e as demais séries de TV. O fato é que, desde que o garoto estreou na grande liga, ou mesmo antes disso, ele exerce o papel de “Office-boy da lona”. Agendam pra ele aquelas batalhas que ninguém em sã consciência (no universo da marmelada, é claro) aceitaria, como enfrentar três a quatro caras com o dobro do tamanho dele ao mesmo tempo, ou ter três lutas numa única noite.

E, de algum jeito, ele sempre dá a volta por cima. Como se não bastasse, seus patrões no enredo o submetem a sessões incessantes de bullying e desmoralização, como mandar os narradores o chamarem de “cabrito” o tempo todo, e o forçar a usar camisetas ridículas com os dizeres “Barba De Respeito”. Pensam que isso reduziria o moral que Bryan tem com os fãs? HELL NO! Há dois anos, mudaram o personagem dele para The Yes Man, o que significa que para qualquer grande vitória ou injustiça cometida contra ele a geral deve responder com YES ou NO...

E essa ideia estúpida pegou feito catarro na parede! É o bordão do momento no lar dos ianques, e os fãs berram YES, NO e DANIEL BRYAN mesmo quando não há lutas agendadas para ele. A galera usa os gritos de guerra principalmente para trolar lutas e atletas que eles consideram chatos demais. E o poder do YES cruzou inclusive a barreira da WWE, com jogadores de outros esportes gravando memes no Youtube com times e torcedores berrando YES e fazendo a coreografia característica com indicadores em riste.  Seu estrelato devia parecer pra lá de óbvio para Vince a essa altura, não acham? Ah, mas nunca subestimem a estupidez humana...

Eis que no primeiro grande evento da empresa neste ano, reunindo 30 de seus maiores astros numa batalha campal pela classificação para o próximo grande evento, apesar de ter o rosto de Bryan no pôster promocional, a empresa sequer agendou sua participação na luta! Como assim, o superstar do momento, o grande herói do país não vai entrar no ringue?! O estádio veio abaixo! Não importa quem entrasse na batalha, a geral o expulsava do estádio a vaias, inclusive o grande vencedor da noite. O Twitter foi tomado por fãs rebelados, lutadores rebelados e até o próprio Yes Man mostrou sua ira contra o roteiro da noite. Raios, até a BBC de Londres colocou essa decisão estapafúrdia na primeira página!

Bem que o script, reescrito da noite pro dia para acomodar o momento de glória do Cabrito, tentou disfarçar a mancada na noite seguinte, revelando que tudo não passava de um “ângulo” no enredo, como eles chamam as sagas de cada lutador, mas de nada adiantou. Alguns astros da empresa começaram a pedir demissão nessa semana, e creio que alguns consumidores chegaram a pedir reembolso dos eventos de pay-per-view do ano. E tudo isso só porque Daniel não corresponde ao “Padrão Vince McMahon de lutador”... Força na cabeleira e na barba, Dragão Americano! Você merece todo o respeito que o mundo insiste em lhe negar!

*Designer e escritor. Sites:

Um comentário:

  1. Exagero e paixão de fã. Sei que admira a coragem e a estupidez excessivas. Como dizia minha mãe: "de valentões o cemitério está cheio".

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