sábado, 25 de janeiro de 2014

Nem tão casual assim...,


* Por Cecília França


Sempre ridicularizara os esbarrões casuais, em locais públicos, quando pessoas que não se vêem há séculos se reencontram – cenas freqüentes de novelas. Foi preciso que acontecesse com ela.
- Ai, desculpa! – disse, assustada, após esbarrar em um homem dentro da livraria. Para sua surpresa, não se tratava de um ilustre desconhecido.
- Olá Júlia, há quanto tempo!
Não pode ser.

- Olá Vitor, como vai? O que está fazendo por aqui?
- Vim conhecer a nova loja, sou amigo do proprietário.
- Ah, que coincidência te encontrar depois de tantos anos.
Mal sabia ela que o encontro não era tão casual assim, já que ele a vira de longe e se postara, justamente, ao seu lado.

- Vi o seu livro, dia desses, na livraria, disse ele.
- É mesmo? E o que achou?
Não diria a verdade.
- Na realidade, li apenas a orelha, e quando percebi que se tratava de um romance resolvi não comprar. Você sabe que não é o meu estilo predileto – e acrescentou – com todo respeito.
- Eu sei disso, não esperava que você lesse. No entanto, gostaria de ter a opinião de alguém com um gosto tão apurado –, ironizou. - E o seu livro, publicou também?
- Não, não tive tanta sorte quanto você.

A resposta veio acompanhada de um sorrisinho zombeteiro que a fez lembrar o quanto ele era insolente e mal-educado, quando queria, e de como gostava de ressaltar sua origem humilde. Mesmo assim, não respondeu, e despediu-se com um “até qualquer dia”.

Vitor a observou sair. Com quase quarenta anos, ela ainda conservava a beleza e vivacidade de quando se conheceram, vinte anos atrás. A despeito de seu ceticismo, pensou que Deus poderia ter lhe dado aquele momento como um presente, uma nova chance de voltar no tempo.

Questionou-se sobre o porquê de não ter dito a ela que comprara o livro e lera todas as duzentas páginas incansavelmente, como se elas fossem ajudá-lo a entendê-la melhor. Não conseguira desgrudar os olhos do manuscrito que contava parte de sua vida e o desnudava. Como ela pôde desvendar os meus sentimentos dessa maneira, questionava-se.

Ficou parado, imerso por alguns instantes nesse pensamento, que consideraria idiota, momentos depois. Recobrou a razão assim que se lembrou de que, para ele, Deus não existia.


* Jornalista

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