quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Gravidade

* Por Elaine Tavares

Mexo com comunicação, então, preciso estar sempre antenada com o que rola da indústria ideológica, nome dado por Ludovico Silva àquilo que os frankfurtianos chamavam de indústria cultural. Nome bem mais adequado, no meu entender, uma vez que o que rola no cinema, TV e outros meios do chamado campo cultural, têm muito mais de ideologia que de cultura. Mas, enfim. Tudo isso é uma breve introdução para falar do filme que foi o sucesso da indústria do cinema nas últimas semanas, o Gravidade, estrelado por Sandra Bullock e dirigido pelo incensado Alfonso Cuarón, roteirista, produtor e cineasta mexicano.

De alguma forma o filme me surpreendeu. Tirando um ou outro momento de tensão espetacular, a narrativa é lenta e arrastada, fora do padrão roliudiano de carros batendo, gente se socando, tiros, sangue e tudo mais que caracteriza o espiral de violência típico dos filmes de ação. Quando ele termina deixa bailando na cabeça pelo menos quatro grandes reflexões: a solidão, o altruísmo, deus e o presente precioso. E vai bem além da ideologia de propaganda de uma nação acostumada a fomentar a guerra. Talvez porque tenha sido feito por um mexicano.

A solidão é o que caracteriza a mulher que protagoniza o filme. Rayan tem nome de homem porque o pai queria um menino. Ela perdeu um filho e sua vida não tem sentido algum. Segundo ela mesma, desde que a criança se foi ela só "dirige", toca em frente, sem um lá-na-frente onde chegar. Apenas anda, como um autômato, e desde aí foi parar no espaço, consertando um telescópio. Estar viva ou morta, pouco se lhe dá. Isso é solidão. Estar vazio. E, ao longo do filme, é bonito ver como ela vai "se enchendo" de sentido. Está sozinha no meio do nada, mas não mais em solidão. Ficou bem narrado esse caminho feito pela mulher. deixa a gente pensando, pensando...

O altruísmo é um elemento praticamente inexistente no mundo moderno. Fazer algo realmente grande por alguém, chegando até o ponto de prejudicar a si próprio. Pois isso assoma no filme, aparecendo na figura do comandante da missão, o lindo George Clooney. É tocante a cena em que ele, depois de se desprender da colega, caindo no espaço vazio em direção a morte, ainda consegue animá-la e conduzi-la para dentro da estação. Divertido, caloroso, o astronauta que lidera a missão passa a impressão de que tem uma vida plena, cheia de sentido. E é ele o que decide morrer para salvar a colega, vazia e só. Momento de pura beleza.

Mas, a cena mais bonita, para mim, foi a da presença de deus, ou do sagrado, ou de algo que não tem nome, que é aquele momento único em que nos deparamos com o essencial, o que nos move para a vida, apesar de todas as desesperanças. Rayan está na nave auxiliar, sem combustível, sem saber como chegar ao local que a salvaria. Ela se entrega, não se importa. Fecha os olhos e aceita a morte, de certa forma esperada desde quando perdeu o sentido viver. Então, (sonho ou realidade?) lhe aparece o colega despegado (o que devia estar morto), entra no módulo e lhe ensina (a faz recordar o que já sabia) um pequeno truque para que possa sair dali. O diálogo é lindo. E, a partir desse "encontro" ela aceita a ideia de que a vida pode ser boa, simplesmente por ser, sem qualquer grandiosa razão. A mão cavando a areia, o gosto da água, a brisa na beira-rio. A vida e sua permanência. Incrível momento humano. Esplendorosa lição. O presente, precioso, como momento capaz de ser suficiente para dar sentido à vida.

A viagem da mulher em peripécia pelo espaço funciona como uma metáfora de cada um. Andando sempre tão longe para entender que o que realmente importa está diante de nós. Mas, para que cheguemos a isso, temos de vivenciar esses momentos-chave, cutucões dolorosos, experiências marcantes. A mulher que sobrevive e chega a seu destino não é a mesma que começa o filme, vazia de si e de tudo. Ela volta cheia, gorda de belezas, de sentimentos de gratidão, de estupefação com o presente precioso.

Eu que amo histórias de ficção saí da experiência cheia de encantamento. E havia muito tempo que um filme de roliude não me tocava tanto. Afinal, quem se descobre pode caminhar, enfim, para projetos coletivos. Valeu, Cuarón!


Jornalista de Florianópolis/SC

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