quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Escassas referências sobre inspirado artista

O décimo quinto escritor incluído na antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, Rio de Janeiro, 1963), que me serve de referência para esta série de estudos sobre alguns dos principais ficcionistas baianos, é José Pedreira. É mais um, entre uma meia dúzia, sobre o qual não encontrei nenhuma referência específica sobre quem foi, o que fez e quais obras nos legou. Sequer consegui apurar se ainda está vivo, atuante e publicando textos, mesmo que em jornais, ou se já morreu. Lamentável.

Sei que foi importante para as chamadas “belas letras”, tanto regionais quanto nacionais, por  referências esparsas ao seu nome e por citações truncadas de seus textos. Uma delas, por exemplo, sugere que se tratou de um artista (porquanto não se limitou à Literatura) bastante popular na Bahia, sobretudo em Salvador. É contra esse tipo de “crueldade”, de esquecimento, de súbita “amnésia”, ainda mais quando generalizada, que me rebelo, por considerar essa atitude injusta e desleal. José Pedreira, além de escritor (e dos bons, como pude apurar pelo conto com que participa do livro “Histórias da Bahia”), foi crítico de arte, decorador, especialista em santos antigos e em peças baianas de mobiliário. Ainda assim... Convenhamos, era para ter mais, muito mais referências ao seu nome e à sua obra na internet do que as que existem (ou, na verdade, “inexistem”). E ele é apenas um de meia dúzia de outros escritores que participaram desta antologia sobre os quais há escassas fontes para o analista consultar.

Certamente, seus conterrâneos sabem muito a seu respeito. Certamente os jornais da Bahia, sobretudo os de Salvador, têm inúmeros dados, quer sobre sua vida e quer sobre suas atividades. Mas... fora do âmbito do seu Estado... age-se como se ele não tivesse existido. Está aí uma oportunidade para alguém dinâmico e com capacidade de iniciativa fazer um resgate da sua trajetória literária e jogá-lo neste “oceano” sem limites de informações, que é a rede mundial de computadores. Sei, por informações publicadas no livro “Histórias da Bahia” – que, recordo, foi publicado em 1963, portanto, há meio século – que José Pedreira nasceu em Itaparica, em 1923. Mas, em que dia? Em que mês? Ignoro. Assim como não consegui apurar se já morreu ou não. E, em caso positivo, quando, onde e como? Confesso, nesse caso (ou também nele), minha profunda ignorância.     

Sei ainda, informado pela mesma fonte, que José Pedreira fez parte do grupo dos “Cadernos da Bahia”, com Vasconcelos Maia, e que teve intensa participação no movimento cultural baiano, notadamente a partir de 1948 e até a publicação da citada antologia. Daí deduzir, por a + b, que os jornais baianos e, principalmente, os de Salvador, têm uma infinidade de informações a respeito desse escritor. Então, por que não as disponibilizam na internet, esse magnífico recurso quando bem aproveitado?!!! Não entendo a razão e nunca irei entender.

Sei que José Pedreira publicou pelo menos três livros, sendo um romance, cujo título ignoro, e dois de contos: “Rosa da noite”, em 1953 (Edições Cadernos da Bahia) – com ilustrações desse argentino “mais brasileiro”, ou melhor, “mais baiano” do mundo, que foi Carybé – e “Histórias de Gustavinho”, de onde foi extraída a história publicada na antologia que me serve de referência para esta série de estudos. Provavelmente sua bibliografia é muito mais extensa. Mas... peço escusas ao leitor por não conseguir detalhar a sua obra.
     
Como venho fazendo com outros escritores, partilho com vocês o trecho final do conto “O amor no circo” com que José Pedreira participa de “Histórias da Bahia”. Tão logo colha mais informações a seu respeito (e estou certo de que receberei, por e-mail, inúmeras delas) voltarei a tratar desse ficcionista que, com tudo e por tudo, mais do que merece sua inclusão entre os melhores e mais representativos da ficção tanto baiana quanto nacional.

“(...) O vento fabricava formas bizarras na capa de cetim preto, ora enchendo-a de ar como um balão, ora impelindo-a para trás como uma cauda – “Vou lhe contar uma história de Fabiano”, propôs a mulher e como Gustavinho olhasse o relógio no pulso e fizesse um aceno negativo com a cabeça, ela prosseguiu, decidida: -‘Ora essa, que diferença faz se você fica aqui mais uns cinco minutos?’ Gustavinho baixou os olhos num assentimento. Dos fundos do circo, chegavam sons indistintos de vozes e o cão ladrava a intervalos.
- ‘Há alguns anos havia aqui no circo uma moça que gostava muito de Fabiano...’ A mulher falava lentamente, destacando cada palavra. – ‘...era filha do dono do circo e tinha o melhor número de todo o espetáculo. Até hoje não tivemos uma outra que dominasse tão bem o trapézio’. O canto de um galo rasgou o ar como o repuxo de uma fonte. – ‘... quando Fabiano chegou – e não se chamava Fabiano, não tinha nome nenhum, foi ela q   UEM inventou esse nome para ele – a moça lhe foi logo tomando amizade’. A mulher se chegou para mais perto de Gustavinho e o vento soprando por detrás, fazia com que a capa se transformasse em duas grandes asas prestes a envolvê-lo. – ‘Como ele era mais bonito, mais inquieto, e como os seus rugidos faziam todo mundo tremer, até mesmo o domador quando se aproximava dele... foi preciso um ano pára ele aprender a pular o obstáculo e se sentar depois no caixote listado. Todos temiam Fabiano – menos ela, a moça do trapézio  Era ela, e ninguém mais, quem lhe dava a comida e quando ia à rua, trazia sempre doce, que Fabiano...’ e a mulher riu novamente, curvando o busto para trás, ‘... não gosta somente de carne fresca’. Gustavinho respirava constrangido o cheiro desagradável que vinha da jaula, misturado ao perfume que a mulher usava. – ‘Todo o circo se admirava da coragem daquela moça quando ela metia os braços na jaula e acariciava a juba de Fabiano. Vinham espiá-la, o domador se mordia de inveja... até que chegou aquela tarde terrível’.

(Nesse momento iam chegando em casa a mulher alta de mãos magras e calosas e a menina triste com o vestido de rosas desbotadas que por segundos se tingiram de sangue. A menina segurou os braços da mãe e falou: - ‘Mamãe, eu tenho medo, mamãe’ e a mãe lhe respondeu; - ‘Já estamos em casa, menina’).
- ‘A moça foi ver Fabiano, tão contente ela estava, trazia um pacote de doces, Fabiano ia abrindo a boca e ela jogando os doces lá dentro’. Gustavinho sentia o corpo da moça quase colado ao seu, uma sensação de mal-estar produzia-lhe uma leve náusea. – ‘Depois ela ficou acariciando a juba de Fabiano, alisando-lhe o focinho – e havia gente por perto e todos olhavam boquiabertos a intimidade da moça com o leão – e quando ela quis puxar o braço era tarde...’ Gustavinho mantinha os olhos baixos, calculava o caminho que deveria tomar se pudesse fugir. – ‘...ah, quando as pessoas vieram acudi-la, a moça foi carregada sem sentidos... suas mãos tinham sido destruídas pelos dentes de Fabiano’.

Sempre com olhos semicerrados, Gustavinho sentiu o frio dos lábios que o beijavam de chofre e o frio dos dois ganchos de metal que apertavam-lhe as costas, quase a feri-lo. O leão levantara-se na jaula e rugia num urro longo e cadenciado. A noite era de vidro – toda cintilações de estrelas, lua e gás neon”.

Boa leitura.


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