sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Deus, obrigado por ter criado as mulheres


* Por Rodrigo Capella


Corria pelas estreitas calçadas de São Paulo rumo ao Parque do Ibirapuera. O calor era intenso e a camiseta vermelha fazia-me transpirar mais ainda, como se eu estivesse dentro de um caldeirão. Opa! Bem que podiam cozinhar uma loira junto comigo, de preferência sorridente, gostosa e acompanhada por uma latinha de cerveja.

Exibia o meu corpo atlético, conquistado após quinze anos de terapia ocupacional e seis meses de academia. Pela primeira vez, sentia-me confiante, um verdadeiro deus grego. Mulheres de vários tipos olhavam pra mim, porém só as feias, que pareciam ter saído do Largo da Batata, é que mexiam comigo. Que maldição! Não devia ter malhado tanto.

- Nossa, que lindo – dizia uma delas.
- Queria um desse lá em casa – disparava a outra.

Ajeitava o cabelo, tirava o suor da testa e dava um sorriso. Que raiva, eu estava gostando daquele chamego. Mas, um solteiro como eu precisava de um bom partido. Continuei correndo! Pensava em muitas coisas: o pneu do carro furado, minha mãe rolando pelas escadas de incêndio, meu irmão passando mal após comer uma coxinha de calabresa.... Pensava em tudo, queria distância daquelas feiosas. "Saiam, saiam, antes que eu chame a carrocinha", disse alto, como se tivesse um megafone nas mãos.

Por falar em cachorro, não poderia esquecer de Brutus. Orelhudo e pulguento, o miserável miava em vez de latir. Miauuu-AU!! Ele chegou em casa com dois meses. Não, Brutus não veio sozinho, tive que buscá-lo no pet shop. Aos poucos, o pequeno animal foi adquirindo outras formas. Pica-pau roedor de móveis, rato comedor de queijo, lesma preguiçosa...

Um cão com crise de identidade? Era só o que faltava. Já bastava o dono. Tomei uma decisão drástica, uma das mais difíceis de minha vida. Por que não mimar o meu cachorro? Minha mãe fez isso comigo, por que não ia funcionar com o Brutus?


A primeira ação foi a de criar um site para ele. Optei pelo www.cachorrorebelde.au Afinal, ele precisava se acalmar um pouco e eu tinha que me ocupar. Qual o solteiro que não gosta de passar horas e horas na frente de um computador?

Aos poucos, Brutus se transformou. Os pêlos ficaram mais brilhantes, parecendo a peruca da Elke Maravilha. Seu rabo ganhou vida própria, achando que era um helicóptero. Brutus mostrou-se mais calmo, sorria várias vezes ao dia e até dava cambalhotas. Nossa, eu estava conseguindo mimar o cachorro.

Ainda rumo ao Parque Ibirapuera, eu corria, corria e as vozes das feiosas continuavam a me perseguir, aterrorizando os meus pensamentos:
- Nossa, que lindo – dizia uma delas.
- Queria um desse lá em casa – disparava a outra.

Fingia que não era comigo e continuava correndo, sonhando, lembrando de quando mimava o Brutus. Depois de criar o site, comecei a assistir televisão com ele, mas Brutus não gostava de novelas brasileiras. Mudamos de canal, ele detestou as mexicanas e preferimos alugar alguns filmes. Depois de ver Os 101 Dálmatas, Brutus latia sem parar, levantava as patinhas e se mexia de um lado para o outro, mostrando-se um verdadeiro ator. Ele queria estar em Hollywood.

Mas, o danado continuava a comer o meu chinelo e achei que ele precisava de um pouco de música, talvez clássica. Optei pela quinta sinfonia de Beethoven. O cachorro se acalmava por alguns minutos, mas logo começava a roer tudo novamente. Eu devia ter dado a maçã da Branca de Neve pra ele.

- Nossa, que lindo – dizia uma das feiosas.
- Queria um desse lá em casa – disparava a outra.

Olhei para o lado e as mulheres estavam me seguindo. Nossa, que coisa maluca!

Olhei para o chão e vi o Brutus. As feiosas estavam apontando para ele. Ufa! Fiquei bastante contente. Aqueles elogios eram para o Brutus e não pra mim. Deus, obrigado por ter criado os cachorros.


* Jornalista, escritor e poeta. Autor de "Transroca, o navio proibido", que vai ser adaptado para o cinema pelo diretor Ricardo Zimmer, com filmagens previstas para 2007.

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