domingo, 20 de outubro de 2013

Brasília revisitada

* Por Emanuel Medeiros Vieira

PARA CLARICE E LUCAS, MEUS FILHOS — QUE AQUI NASCERAM

Não, não quero falar da cidade estigmatizada, dos poderes – podres ou não.

Não a urbe oficial, dos altos tecnocratas, dos políticos que só conhecem o aeroporto, carros oficiais, palácios, ministérios, o Congresso, restaurantes chiques, e boates de “moças de luxo” –– caras, da mais antiga profissão..

A cidade que amo é outra,

Das chuvas de janeiro (que agora pararam) de tantas mangas, dos verdes belos, das goiabas crescendo, da Clarice, do Lucas, dos piqueniques improvisados, do Parque da Cidade, e de tanta gente honrada que aqui labuta e corre atrás dos seus sonhos.

Mudar essa imagem eu sei que não vou.

Mas creio que o meu papel é o de “evangelizador laico”.

Se mudar uma só visão, um só olhar estereotipado, ficaria compensado.

EIS-ME DE VOLTA, PROVISORIAMENTE, DA PRIMEIRA PARA A ÚLTIMA CAPITAL.

Não, os poderes já não me interessam.

CADA MOMENTO É UM LUGAR ONDE NUNCA ESTIVEMOS.

E tento redescobrir cada momento.

O que é o tempo,?, pergunto-me sempre – desde que iniciei no ofício de tecer palavras.

Virgílio captou magistralmente: “Sede fugit interea , fugit irreparabile tempus” (“mas ele foge: irreparavelmente o tempo).

E Clarice Lispector pergunta: “Oh Deus que faço desta/felicidade ao meu redor/que é eterna, eterna,eterna/e que passará daqui a um instante/porque só nos ensina/a ser mortal?”

Mas o que queria dizer?

Que há uma cidade escondida, além do olhar apressado.

Há uma cidade mais funda – das linhas retas.

Algo que ficará, além das celebridades vãs, da vida de gente que se atribui muita importância – ministros e deputados que logo serão esquecidos.

Quem se lembra de Médici? Quem se esquecerá do Dr. Oscar e de Lúcio Costa?

É por essa razão que dedico o curto texto ao Lucas e a Clarice.

Não são “candangos”, pioneiros.

Ele está com 10 anos, ela com 27.

E há algo de novo nos seus olhares.

Esperança?

E enquanto escuto um pássaro cantando, o sol batendo na mesa em que escrevo, não consigo evitar o lugar-comum: há que celebrar a vida. Algo do nosso trabalho ficará – ficará. E sei que toda a glória é finita, que é sempre assim (apenas passamos). E o tempo foge.

* Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre outros. 

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