domingo, 27 de outubro de 2013

A câmera


* Por Rosana Hermann



Foi sem querer, ou melhor, foi sem intenção. Eu tinha algumas webcams para sortear entre os leitores e estava pensando num concurso para escolher um vencedor. Por acaso estava vendo uma daquelas câmeras em tempo real, com ótimo streaming, colocada em frente a uma loja em Times Square, em Nova York. Achei aquela imagem tão boa, tão hipnotizante, com as pessoas passando sem consciência alguma de que estavam em um big brother internacional que senti vontade de ver algumas outras imagens assim, tão nítidas, de pessoas em outros lugares do mundo. E, bingo! Decidi que o prêmio iria para a pessoa que colocasse o link da melhor câmera online em streaming da rede.

Pouco tempo depois a lista já estava grande. Alguns links eram lentos, outros mostravam bichos e alguns eu já conhecia. Entre eles, uma câmera ao vivo num bar americano parecia ser o melhor de todos. Até que uma leitora, a Isabella, postou o link de uma câmera que nem ela sabia exatamente onde era. Mas foi neste link que esta história começou. A câmera é simplesmente incrível, com uma resolução estupenda e, melhor que tudo, com o controle total da câmera na mão do usuário. Entrei e descobri que era uma praça em Belgrado, na Sérvia, cheia de pessoas vivendo suas vidas diárias. A câmera, que tem grande alcance, permite que se acompanhe pessoas no ponto de ônibus, motoristas de táxi, garçons em restaurantes, transeuntes passando diante de vitrine de lojas.

Comecei a observar a câmera com freqüência, junto com um amigo online, que também ficou fascinado. Os sérvios são todos bonitos, magros e, de alguma maneira, parecem ter um outro ritmo de vida, com mais tempo para coisas como namorar na praça. Eram duas horas da manhã numa praça em Belgrado e um casal trocava beijos ardentes sem a menor pressa. Ali estava eu, sentada na minha cadeira, no meu escritório, São Paulo, Brasil, vendo um casal de jovens sérvios trocando beijos numa praça no meio da madrugada. Tive saudades da minha juventude. Tive vontade de namorar na praça. Quis falar com eles e agradecer pelos bons sentimentos que provocaram em mim.

Um print screen depois e eu já estava comandando a câmera sérvia novamente. E pesquisando sites, aprendendo a língua, mergulhando na cultura.

Meu amigo procurou a praça no Google Earth, eu, no Flickr. Descobri que o nome era mesmo Praça da República. Encontrei os endereços de bancos, lojas, cafés ao redor da praça. E tive uma idéia. Por que não tentar marcar um encontro com alguém, pela câmera, naquela praça? E se eu procurasse alguém, em Belgrado, que fosse até um ponto daquele local, com dia e hora marcados, e mostrasse uma placa pra mim, através da câmera? A rede, você sabe, não é um meio em si. Não é um mundo virtual para onde devemos migrar com nossas malas cheias de realidade. A rede é uma ferramenta que serve para melhorar a vida de todos nós aqui, no mundo de verdade.

Entrei no Skype, procurei por pessoas que falassem inglês em Beograd, o jeito de escrever Belgrado no original. Encontrei alguns sérvios online e um, topou minha idéia. Naquele momento ele estava arrumando as malas para passar dez dias em Montenegro, mas concordou que, na volta, fará o que eu sugeri. Ele vai reunir alguns amigos, em data e hora marcados e levará um cartaz, alguma coisa, para mostrar para a câmera e dar um tchau, um olá para mim. Vou capturar esta imagem e fechar o link. Vamos usar esta incrível rede, esta câmera para o fim que tudo deveria ter, o de aproximar pessoas.

Assim que eu souber o próximo capitulo, eu conto. E se você quiser, posso passar o link. Hoje mesmo, tinha outro casal, namorando ao pé de um monumento. Bacanas esses sérvios. Sabem que fazer amor é muito melhor do que fazer a guerra. 

*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.

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