sexta-feira, 20 de setembro de 2013

 Dona Doida

* Por Adélia Prado

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
 com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
 Quando se pôde abrir as janelas,
 as poças tremiam com os últimos pingos.
 Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
 decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
 Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
 trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
 A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
 meu marido ficou triste até a morte,
 eu fiquei doida no encalço.
 Só melhoro quando chove.


* Adélia Prado é uma das principais poetisas brasileiras da atualidade, autora de vários livros de sucesso.

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