segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Destino vário

* Por Daniel Santos


Há muito não via alguém bater palmas ao portão de uma casa para pedir um copo d’ água, o que era comum na minha infância. No entanto, tal aconteceu esta semana a uma vizinha, conforme observei do sobrado.

O sedento, quase maltrapilho, podia revelar-se um desses assaltantes oportunistas, mas a pureza de seus olhos denunciava: vinha do interior, de onde trazia sotaque, poucos dentes e o endereço de um parente.

Confiava que o encontraria, e não apenas para uma visita ou um reencontro, mas porque tinha precisão. De tudo. De tudo mesmo. A começar, de um copo d’água. Pois viajara léguas sem fim para pedir ajuda.

Piedosa, a vizinha deu-lhe de beber e mais dois pães dormidos para quando sentisse fome. Só não pode ajudá-lo a encontrar o tal parente, que o endereço não existia. Ainda assim, prosearam bastante antes da despedida.

E lá se foi agradecido o brasileiro sem rumo com sua maleta de couro surrado e um trote miúdo, cheio de manha, como quem dribla o desengano. Seguiu para lugar nenhum, embora certo de que chegaria.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.





Um comentário:

  1. São os despossuídos, os descamisados do tempo de demagogia de Collor. Final melancólico e poético. Estranho ir para lugar nenhum e ainda assim chegar. Bonito, Daniel. Parabéns!

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