quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Ele estará sempre lá

* Por Mara Narciso

Quando eu o vi pela última vez, não imaginava que seria a derradeira. Foi banal olhar quase sem vê-lo. Estava diante de mim, com sua beleza, seus eternos mistérios e sua atração irresistível, mas era chegada a hora de ir embora. Um último olhar, um adeus breve pela janela do carro. Fui embora atrás do meu destino, da minha vida e das reviravoltas várias, entre dramáticas, felizes, traumáticas, desesperadoras. Era preciso viver o futuro, e lá fui eu vivê-lo enquanto havia tempo.

O vai e vem da vida, com suas maravilhas doces e fugazes, como também os seus traumas cáusticos que arrancam a pele e nos desnudam, deixando a carne à mostra. Viver é levantar todos os dias e correr em busca de ser feliz com o que se tem. Eu tenho a vida, eu tenho o dia, eu vejo, eu ando, eu posso fazer muitas coisas, inclusive afastar meus demônios e ser incrivelmente feliz, embora a situação esteja exatamente como antes. Não é fingir. É ver a mesma realidade de um ângulo diferente, e assim moldá-la às minhas necessidades. Isso é ter inteligência emocional.

Quem sabe, ele lá longe possa estar me esperando, mesmo sem saber de mim, eu, tão minúscula, tão nada, pensando nele vários dias do ano, e algumas vezes em um único dia? Vez por outra, abraço sua imagem, atrevendo-me a mirar sua fotografia.

A vida e as circunstâncias, as circunstâncias e a vida vão se alternando. Os fatos concretos escapulindo entre os dentes quando já estamos preparando uma bocada. E naquele justo momento algo quase nosso nos foge. Pedi tanto, programei, planejei, e nada. Ninguém conseguia me ajudar a matar aquela saudade profunda, como uma dor de infarto, que divide o corpo ao meio, e então, se tem certeza que a morte não é mais uma vaga suposição lá para adiante, e sim para agora. E de pensar que ele continua lá, a menos de mil km, e ao mesmo tempo bastante longe do olhar e principalmente das mãos.

Estava tão difícil concretizar esse sonho de sete anos, que cheguei a suplicar: eu não quero morrer sem revê-lo. Eu preciso pelo menos disso. E numa época ruim, em que a falta de energia desbota a pele e tira o brilho dos olhos, naquele período em que toda vontade desaparece e surge uma sonolência inexplicável, ocasião em que abrir os olhos de manhã é um sacrifício, uma chamada anunciada há 6 meses me acorda. Vem com a força de um pesadelo e a alegria dos sonhos idealizados. Eu vou viajar para reencontrá-lo. Irei vê-lo frente a frente, com toda a força da sua beleza, dos seus encantos e da sua atração vital.

Custo a acreditar nesse milagre que vem para preencher um desejo de tanto tempo, uma vontade que arde doendo lá na alma, caso alma realmente exista. Irei ao seu encontro. Um amor fulgurante, uma adoração dos tempos de menina. Fui contando nos dedos os dias que ainda faltavam, e na estrada, cada hora, cada km.

Lá cheguei à noite e precisei esperar até a manhã seguinte para ir vê-lo. Acordei com o raiar do dia, ouvindo passarinhos assanhados cantar junto ao farfalhar dos coqueiros. Tomei um banho, preparando-me para o momento tão esperado quanto importante. Alimentei-me com leite, pão e fruta. Era preciso força para enfrentar o dia. Não estava só. Um amigo, emissário do rei, me levava pela mão. Andamos umas poucas quadras com os chinelos pisando macios por sobre a areia branca e fina. Subimos um leve desnível, e entre umas cercas vivas, lá estava ele, amplo, descortinado em 180º. Havia um sol morno e uma brisa moderada. Insegura, eu não consegui olhá-lo firme e enxergá-lo com nitidez. Uma emoção forte me cortou o peito e um choro suave fez lágrimas felizes brotarem, inundando meus olhos e borrando a imagem daquele que me matava de saudade. Era o presente que eu acabava de ganhar, com toda a sua grandeza, cheiro, e existência que atrai hipnoticamente minha pequenez e insignificância. Feliz, muito feliz por tê-lo visto mais uma vez. E que não seja a última diante do meu eterno caso de amor: o mar.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Me iludi até o fim, imaginando tratar-se de uma pessoa. Creio que ninguém ama mais o mar do que os mineiros...
    Belo texto, Mara.

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    1. Marcelo, é verdade. Nem os goianos gostam mais do mar do que nós. Pode parecer exagero, mas foi do modo que contei: verídico. Obrigada pelo comentário.

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