terça-feira, 20 de agosto de 2013

À origem

* Por Eduardo Oliveira Freire

Quando soube que os mortos estavam saindo das tumbas e que se comportavam como animais selvagens, desejou ser como eles.

Ouvia com interesse as notícias de que os mortos vivos devoravam qualquer coisa que viam pela frente e que faziam sexo sem pudor. O fedor de carne putrefata infectava as cidades.

Recordou-se de ter lido em algum lugar a profecia: “Tudo voltará à origem do caos de cores, odores e instintos”. Como desejaria retornar ao estágio que precede a mulher: a fêmea. Estava cansada de “humanizar a vida”.

O apresentador do telejornal dizia que se a pessoa fosse mordida pelos zumbis seria contaminada. Ela saiu de casa e não demorou muito, apareceu um bando faminto e começou a mordê-la e a possuí-la ferozmente.

Foi esquecendo seu nome, pai, mãe, filhos, marido e emprego. Parou de pensar. Os instintos a dominava. Já devorou quase todos os membros de sua família. Agora não tem mais marido, tem machos . E nem filhos; pare filhotes que quando não mais necessitam de cuidados, ela os expulsa do seu convívio. Quem a domina é um macho mais forte que ela.
***

– As pessoas não podem contar com o governo. As autoridades estão tentando exterminar os zumbis, mas a situação está crítica. Uma pessoa reportou que sua mulher foi contaminada; devorou até os filhos e quase acaba com toda a família. O marido escapou. A polícia aconselha a todos a procurar lugares seguros e sugere que se associem para lutar.

O apresentador do jornal está sozinho transmitindo as notícias. Sua mulher e parceira de trabalho se transformou numa morta-viva, quase aniquilou a família inteira. Só ele sobreviveu, lembrando-se de que sua mulher sempre dizia: "Quero ser selvagem.". – Vagabunda!– explodiu.

Pegou uma foto da família na carteira, rasgou a parte onde estava a mulher e jogou no lixo. Guardou apenas o pedaço em que estavam os filhos. Viu-a sair por livre espontânea vontade à rua. Não quis acreditar, somente caiu a ficha quando a desgraça aconteceu perante seus olhos, sem que pudesse fazer nada para evitar. Para não morrer, escondeu-se.

De repente, escreveu numa folha qualquer:

“Tenho medo de a besta sobrepujar o ser homem. Não consigo me ver num mundo sem símbolos, conceitos e pensamentos. Meu Deus, tudo é tão frágil”.

* Eduardo Oliveira Freire é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, com Pós Graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e é aspirante a escritor


Um comentário:

  1. Medo dos zumbis. A desordem pode até atrair inicialmente, mas a presença de leis e de organização é imprescindível para o mundo funcionar.

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