domingo, 21 de julho de 2013

Fuga em azul menor

* Por Cassiano Ricardo

O meu rosto de terra
ficará aqui mesmo
no mar ou no horizonte.
Ficará defronte
à casa onde morei.
Mas o meu rosto azul,
o meu rosto de viagem,
esse, irá pra onde irei...

Todo o mundo físico
que gorjeia lá fora
não me procure agora.
Embarquei numa nuvem
por um vão de janela
dos meus cinco sentidos.
E que adianta a alegria
dizer que estou presente
com o meu rosto de terra
se não estou em casa?    

Inútil insistência.
Cortei em mim a cauda
das formas e das cores.
(A abstração é uma forma
de se inventar a ausência)
E estou longe de mim
nesta viagem abstrata
sem horizonte e fim.

Um dia voltarei
qual pássaro marítimo,
numa tarde bem mansa
à hora do sol posto.

Então, loura criança,
ouvirás o meu ritmo
e me perguntarás:
quem és tu, pobre ser?
Mas, eu vim de tão longe
e tão azul de rosto
que não me podes ver.

A graça de quem mora
no país da ausência
certo consiste nisto:
ficar azul de rosto
pra não poder ser visto.



* Poeta, jornalista e ensaísta, membro da Academia Brasileira de Letras

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