quinta-feira, 18 de julho de 2013

Entre Deus e a fera bronca


O homem oscila o tempo todo entre Deus, de quem é a imagem e semelhança, e a fera bronca, que no fundo é. Quando aplica os dotes de sua inteligência em uma obra construtiva e quando atua em equipe, opera verdadeiras maravilhas. Penetra, por exemplo, no coração de um átomo e decompõe essa porção infinitesimal de matéria em partículas cada vez menores e complexas, desvendando, no plano microscópico, os segredos do universo. Interfere no código genético e dessa maneira impede doenças congênitas, ou cria novos animais e plantas, consertando falhas da própria natureza que o gerou. Troca, num seu semelhante, o coração e outros órgãos, permitindo que ele viva, produtivamente, muitos anos mais do que viveria caso não fizesse essa providencial intervenção. Aventura-se no espaço infinito e revela mistérios que seus ancestrais sequer atinavam que existissem.

Fico imaginando como se sentiria alguém, que tenha vivido, por exemplo, em 1813 – portanto no século XIX, quando se iniciou a “explosão” de inventos que mudaram por completo a vida do homem na Terra – se, por algum sortilégio, pudesse ressuscitar e ver como vivemos na atualidade, com as maravilhas tecnológicas ao nosso dispor. Já nem imagino se isso viesse a ocorrer com alguém que vivesse em tempos mais remotos e, por conseqüência, mais atrasados. Afinal, sua reação seria previsível. Atribuiria a existência dessas engenhocas – automóveis, aviões, foguetes, motos, navios a vapor (já nem digo movidos a energia nuclear), eletricidade, rádio, televisão, internet, celular etc.etc.etc. – a bruxaria e a sortilégios do demônio. Certamente sairia destruindo tudo isso a torto e a direito, achando estar prestando, com esse furioso vandalismo, grande serviço a Deus e à sua espécie. No entanto...

Bem que Júlio Verne – cuja mente estava muitíssimo à frente do seu tempo – afirmou e deixou registrado por escrito: “Tudo o que o homem consiga imaginar, alguém conseguirá concretizar”. E estou seguro que, se a humanidade conseguir não se destruir (o que já será enorme façanha), as maravilhas tecnológicas atuais, que tanto maravilhariam nossos ancestrais do século XIX e horrorizariam os mais remotos ainda, que os atribuiriam a maléficos sortilégios, serão vistas como primitivas velharias pelas gerações dos próximos séculos, se não apenas do próximo, ou, quem sabe, do final deste.    

A data de depois de amanhã, por exemplo, 20 de julho, marca um desses momentos excepcionais da humanidade, na atual geração, que foi a conquista da Lua. Muitos, hoje, investem contra esse projeto, que consumiu cerca de US$ 10 bilhões (e há milhões que sequer acreditam nessa façanha, atribuindo-a a mera fraude, e com tamanha ênfase, que até chego a ter minha convicção abalada) garantindo que ele foi inútil, já que não trouxe os benefícios materiais com que todos contavam. Argumentam que o dinheiro gasto na empreitada seria melhor aplicado se investido, por exemplo, no socorro aos muitos milhões de miseráveis e famintos que há no Planeta.

Mas será que há alguém que acredite que se esses recursos não viessem a ser despendidos para uma façanha desse porte seriam destinados, mesmo, a alguma obra social, ou de benemerência?!!! Se houver, tal pessoa será de uma ingenuidade atordoante. Ademais, se existe algum dinheiro mal aplicado no mundo, este, certamente, é o que sustenta essa macro estupidez chamada corrida armamentista. Este, sim, é um buraco negro, que consumiu as energias de alguns bilhões de seres humanos, num projeto que se destina, potencialmente, a promover, apenas e tão somente, destruição e morte.

Consultando meus arquivos, por exemplo, constatei que o ano de 1990 foi dedicado pelas Nações Unidas para a promoção de um esforço internacional objetivando acabar com o analfabetismo, que atinge a cerca de um quinto da humanidade, virtualmente um bilhão de pessoas, das quais 75% mulheres. Este, sim, seria um projeto meritório, que mereceria aplausos generalizados. Mereceria, mas... Nada, ou quase nada, foi feito nesse sentido.

O que se percebe, isto sim, é uma agitação diplomática das mais intensas para arregimentar o maior apoio possível para uma nova guerra, não importa se motivada ou imotivada, justa ou injusta – para todas, sempre foram arranjadas justificativas, com os mesmos resultados desastrosos – na qual vislumbro o dedo da indústria de armas. A “bola da vez” é a Síria, que passa por um processo de “autofagia” nacional, com sua encarniçada guerra civil. Amanhã, certamente, o alvo será o Irã, que consta da agenda dos belicistas. Ou, quem sabe, a Coréia do Norte e seu imaturo e inconseqüente líder, com complexo de deus. O pretexto para justificar uma intervenção dos Estados Unidos e de seus satélites (Grã-Bretanha e França à frente) é o mesmo, ou pelo menos parecido, com o usado para arrasar o Iraque e o Afeganistão: “promover a democracia”. Vá ter cinismo lá na Cochinchina!!!

Com isso, apenas está sendo dada seqüência a uma lógica cruel, a da preponderância do mais forte (e não do mais útil ou produtivo) sobre o mais fraco ou insensato, que marcou os 13 mil anos de história que se tem registro. Desse período de 13 milênios – e para se constatar isso basta que se pesquise um bom compêndio da matéria – 95% foram gastos no ato de matar, ora em guerras de conquistas, ora para impor ou derrubar tiranos, ora para proteger agricultores contra ataques de bandos nômades, ora para expulsar invasores de territórios que não lhes pertenciam. Enfim, motivos nunca faltaram para guerrear.

O resultado de tudo isso sequer seria necessário apontar, por fazer parte da nossa tradição. A humanidade dividiu-se em castas estabelecidas não através dos critérios do "ser", mas do "ter". Recursos sempre escasseiam quando se trata de educar pessoas, quando se destinam a evitar a fome de populações desassistidas ou atingidas por catástrofes climáticas, quando se tenta erradicar doenças simples e de baixo custo em seu combate. Esse mesmo dinheiro sobra, todavia, nos eufemisticamente chamados "Orçamentos de Defesa", cuja média mundial, apenas para 2013, é de US$ 1,3 trilhão!!! Essa montanha de dinheiro daria para financiar mais de 100 projetos Apólo, o que levou o homem à Lua (se é que levou).  Curioso é que nenhum país admite que gasta fábulas em arsenais que se destinam a atacar outros povos. Para todos os efeitos, os equipamentos bélicos sempre são de caráter "defensivo".

Mas armamentos só têm uma, e única, serventia: matar. Não alfabetizam pessoas, não erradicam doenças, não extinguem a fome. Somente suprimem vidas, cada vez em maior quantidade, dada a crescente sofisticação armamentista, mostrando que o homem somente substituiu os machados de silex ou os arcos e flechas de madeira, dos tempos das cavernas, por outro instrumental. Mas o sentimento de fera que o movia na ocasião permanece exatamente o mesmo. Apenas se “modernizou”.

O importante, na conquista da Lua, sequer foi a tomada de posse do satélite, que continua, exatamente, como sempre foi, mas a demonstração de que o homem é capaz de fazer isso e muito mais. Basta que volte sua inteligência para empreendimentos construtivos; que jamais deixe a ânsia da conquista de riquezas vazias, que nada valem, e de um hedonismo inconseqüente e sem sentido, embrutecer seu espírito de aventura; que não permita que ambições mesquinhas limitem seu horizonte aos pântanos, quando o infinito está à sua frente, como magnífico desafio.  

Boa leitura.

O Editor.


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