domingo, 30 de junho de 2013

Os incompreendidos

O pintor holandês Vincent Van Gogh, hoje reconhecido, consensualmente, no mundo todo (até por quem não aprecia a pintura e não entende nada de artes plásticas), como gênio da sua arte, foi classificado, em vida, como “artista maldito”. Esse termo é geralmente empregado (não sei se adequadamente e entendo que não) para qualificar aqueles que, por um motivo ou por outro, não conseguiram o reconhecimento de seus contemporâneos e foram resgatados somente algumas gerações depois.

Muitos acabaram destruídos pelo fracasso e arruinaram-se, pessoal e financeiramente, terminando a vida como bêbados, mendigos, farrapos humanos, homens completamente derrotados. Van Gogh foi um deles. Terminou seus dias considerado como maluco, internado em um sanatório para doentes mentais em Arles, no Sul da França.

Alguns desses gênios incompreendidos recorreram ao jogo, e perderam o pouco que lhes restava de dinheiro e de dignidade, para não pensar no fracasso. Como se o esquecimento, nesses casos, fosse possível! Claro que não é! Não raros foram os que se entregaram a uma vida dissoluta, tendo bares e prostíbulos como cenários da sua decadência física e moral, entregues ao álcool e alguns às drogas como o ópio, para tentar afogar a imensa frustração gerada pelo insucesso e a dolorosa sensação da derrota e da inutilidade.

A arte, em geral, pune, em vez de premiar, os seus servos. E quanto mais leais e dedicados, pior é o castigo. Não raro os melhores e mais criativos têm que arcar com uma carga mais pesada de desgosto e aceitar o esquecimento e o ridículo (para alguns, temporários, para outros, definitivos) por parte dos contemporâneos.

Por isso, quem tem como trabalho a função de crítico, a tarefa de julgar as produções alheias, o poder de influenciar opiniões, nas colunas especializadas de jornais e revistas, precisa tomar imenso cuidado (caso queira ser justo e honesto) na avaliação da obra de qualquer artista, não importa de que arte, para não cair, ele próprio, muitos anos depois da sua morte, no ridículo, quando o valor do criticado for devidamente reconhecido (se o for, é claro).

Na poesia, qual o intelectual que não conhece “les cinq poétes maudites” franceses? Hoje, todavia, Rimbaud, Verlaine, Valéry, Baudelaire e Mallarmé representam, por si sós, toda uma época de ouro da literatura, não somente da França, mas do mundo todo. Mas quando eram vivos, quer pelo estilo que vida que tinham, quer pelos conceitos que emitiam, quer pelo que diziam e escreviam, eram tidos, pela maioria dos críticos, como iconoclastas. E, pior, como empulhadores, como falsos poetas, como pessoas de péssimo gosto e maléfica influência.

Vincent Van Gogh, por exemplo, conseguiu, em vida, vender um único quadro. E essa venda nem pode ser considerada como tal, pois quem adquiriu essa obra solitária foi o seu irmão, provavelmente por piedade e como uma forma de incentivo ao artista. Hoje, todavia, qualquer dos seus esboços, o mais simples borrão ou rabisco do mestre holandês, valem incalculáveis fortunas. E suas obras são acessíveis apenas a quem conte com uma conta bancária que ascenda a centenas de milhões de dólares.

Quem estava certo? Os marchands, que não somente recusavam seus quadros, mas cobriam-no de observações injuriosas, ou o irmão, que mesmo adquirindo um quadro por piedade ou para incentivar o artista (e ninguém pode provar que foi este o verdadeiro motivo da compra), investiu algum dinheiro, por mínimo que fosse, nesse talento não reconhecido?

Por paradoxal que pareça, hoje os críticos de arte são unânimes em reconhecer que o período de maior criatividade de Van Gogh foi aquele em que, consumido pelo desgosto, pelos fracassos, pelo álcool e pelo consumo compulsivo de absinto, que tomava em monumentais quantidades, esteve internado no sanatório para doentes mentais. Santa loucura!

Seus nervos superexcitados, levados ao ponto extremo de tensão pela humilhação causada pelo fracasso e pela incompreensão, fizeram com que, na oportunidade, o pintor transmitisse uma enorme, incomensurável e profunda angústia para o pincel e daí para as telas. É simplesmente genial, por exemplo, a carga emocional, a brutal autenticidade, a violência avassaladora contida nos ciprestes do quadro que pintou da fachada do hospício em que estava internado! A serenidade de espírito nem sempre (ou quase nunca) estabelece o clima ideal para a produção artística!

Há inúmeros Van Goghs, Verlaines e Rimbauds por aí, à espera de reconhecimento, de apoio, de patrocínio e de condições para sobreviver e para criar. Muitos são, e permanecerão, incompreendidos, amargurados, derrotados, à espera da morte. Não raros serão reconhecidos dentro de trinta, cinqüenta, ou cem anos. Claro que será muito tarde!

Talvez seja uma fatalidade que persiga boa parte dos gênios, cujas cabeças, cujo talento e cuja sensibilidade estão muitíssimo à frente do seu tempo. Nasceram em época e lugar errados. Ousam desafiar o comodismo das soluções fáceis, o convencionalismo da moda, os cânones consagrados, mas ultrapassados, para transmitir, através da palavra, da imagem ou do som uma inquietadora beleza, muitas vezes selvagem e brutal, que somente eles conseguem captar. Sua genialidade tem um preço que poucos, pouquíssimos, estão dispostos a pagar e por isso abdicam do talento e dedicam suas vidas a tarefas rotineiras, aparentemente importantes, que na verdade são destinadas aos medíocres e acomodados. A solidão é a maldição dos gênios!

Boa leitura.


O Editor.

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Um comentário:

  1. Não sei se de fonte segura, mas li em algum lugar que Van Gogh teria vendido alguns quadros por quantias modestas, tendo de fato morrido na miséria. O artigo que li negava a versão de um único quadro comprado pelo seu irmão Theo. Com quem estaria a verdade? O fato é que isso não muda nada, nem a pobreza, nem a loucura e nem a reclusão. E a força das pinceladas mostram exatamente o tormento interior que consumia o genial autor. Hoje é fácil gostar dele. Belo texto, Pedro.

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