segunda-feira, 17 de junho de 2013

Eu consegui, eu tirei o meu filho da Polícia

* Por Sally Satler

A última vez que estive em São Paulo, quando fizemos uma entrevista com Elza Lôbo, ex-presa política durante o regime militar, conhecemos também o seu colega de trabalho Luiz, motorista da secretaria estadual de Saúde de SP, que faz uns ‘bicos’ nos fins de semana, para complementar o orçamento de casa. Naquele fim de semana, ele trabalhou com D. Elza, para dirigir o carro dela e ajudar nos trajetos que faríamos do Hotel – Casa D. Elza – PUC/SP, Convento dos Dominicanos, Memorial da Resistência (extinto DEOPS) e Cinemateca.

Entre um trajeto e outro, foi possível conversar bastante com o sr. Luiz. Ele nos surpreendeu ao contar que foi menino de rua, porque o pai ele não conheceu e a mãe faleceu quando tinha 8 anos. Em sua companhia, as movimentadas e barulhentas ruas de São Paulo transformavam-se em referências de sua história de menino de rua. E, ao passar por uma frondosa árvore ao caminho do Ibirapuera, nos contou que gostava muito dela,  pois quando criança dormiu muitas vezes embaixo de sua copa, protegido do sereno ou chuva, em camas feitas com papelão e, nas noites mais frias, o papelão recolhido nas ruas transformava-se em improvisadas cabanas. Vendeu muita bala e chiclete nos semáforos de São Paulo. Apanhou da polícia. Aos 16 anos, uma senhora o acolheu: a partir daí tinha casa, comida e seu compromisso era estudar. Depois de uns anos, passou no concurso público para o cargo de motorista do estado de São Paulo, onde está até hoje.

O que mais chamou atenção na sua história foi quando nos contou da apreensão que teve quando um dos filhos entrou para os quadros da Polícia Militar de São Paulo. A partir daí, iniciou uma verdadeira cruzada para tirá-lo de lá. Convenceu o filho a montar um pequeno negócio para trabalhar nas horas de folga, com o dinheiro que economizou a duras penas – ‘simulou’ uma sociedade com o filho, contando pra nós com um sorriso  de gente vivida, de gente que sabia que naquele momento não poderia bater de frente com o filho, mas sim deixar a vida ensinar. Com o tempo, a truculência do meio policial e o com crescimento do negócio, o filho abandonou a polícia. Feliz da vida, nos disse: ‘Eu consegui. Eu tirei o meu filho da Polícia!’

Vocês tinham que ver o orgulho e a alegria vibrante na voz e nos olhos daquele homem. De forma simples, o sr. Luiz nos ensinou que é sempre possível construir outros caminhos. Sempre é possível ir contra o fascismo de Estado. Ali eu entendi, quase tudo. Sobre poder, Estado e polícia.


* Advogada e procuradora municipal.Entre viagens, fotografias e ciclismo, busca pensar e agir baseada numa perspectiva libertária.

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