domingo, 23 de junho de 2013

Adorável Boca do Lixo


 * Por Fábio de Lima


Este ano completou 110 anos da primeira exibição cinematográfica no Brasil. De produção cinematográfica já temos 108 anos. De lá pra cá o cinema tupiniquim contribuiu para o cinema mundial com alguns filmes marcantes. Recentemente o drama da favela carioca Cidade de Deus, uma espécie de raio-x sobre o surgimento do tráfico de drogas no país, chamou a atenção do público de todo o mundo, pelas mãos de Fernando Meirelles. Mas muito antes disso, o Cangaceiro, de Lima Barreto, já havia encantado os amantes de cinema quando fez sucesso no Festival de Cannes, nos anos 50. E o Pagador de Promessas chegou a ganhar a Palma de Ouro, no mesmo festival, em 62.

Ainda na década de 60, o Cinema Novo também representou honrosamente o cinema nacional lá fora. Dele nasceu o diretor-mito do Brasil, Glauber Rocha. Tivemos ainda a chanchada, a pornochanchada, o cinema marginal e o cinema da boca do lixo, como movimentos cinematográficos que chamaram a atenção do público e da crítica nacionais – fossem para falar mal ou bem.

Não esqueçamos que, antes de Cidade de Deus, o filme Central do Brasil, de Walter Salles, também tinha feito muito sucesso no exterior. No ano passado o filme brasileiro que chamou a atenção foi 2 Filhos de Francisco, de Breno Silveira. Foram mais de 5,3 milhões de espectadores no país – além de inúmeras críticas favoráveis. Mas será que terminadas essas observações temos uma cinematografia justa, coerente com o verdadeiro potencial brasileiro? Lembremos que 108 anos não são 108 dias!

Passados mais de 110 anos da invenção da sétima arte o Brasil tem diretor bem visto pelos olhos poderosos de Hollywood – tem bons filmes guardados na história – tem alguns ótimos atores – mas e daí? Como tudo nesse país, o cinema brasileiro é visto como algo promissor. Mas promissor para quê e para quem? Nosso cinema é uma ‘potência em potencial’, mas já são 108 anos, não esqueçamos. Sabe o que me lembra o cinema brasileiro? O futebol! Isso por que temos talentos, mas não temos organização. Dependemos das individualidades de nossos cineastas – de nossos artistas. Teimamos em não construir uma indústria cinematográfica. Teimamos em não construir uma infraestrutura cinematográfica. Até quando?

Sinto saudade do cinema da Boca do Lixo, anos 70, cinema conhecido com esse nome por suas produtoras terem sido instaladas numa região, do centro de São Paulo, onde cineastas, técnicos cinematográficos e atores se misturavam a prostitutas, ‘viados’ e delinqüentes de todo o tipo. Quando digo que sinto saudade desse cinema qualquer cinéfilo desavisado e chato vai achar que estou louco – por isso me explico melhor. Esqueça o nome-fantasia e pense no que era o cinema da Boca.

Lá as produtoras e distribuidoras de pequeno porte ou não, centralizadas numa mesma região da cidade, faziam filmes de baixíssimo orçamento, com temáticas simples, às vezes apelativas – é bem verdade – e que eram sucessos constantes de público. Foi criada assim uma indústria de cinema – coisa que jamais existirá no Brasil enquanto tivermos esse cinema atual.

O cinema feito hoje em dia no Brasil é caro. Ele está nas mãos das mesmas pessoas, ligado às mesmas produtoras, e essa gente não se cansa de mamar nas tetas das vacas. Aqui as vacas são as Leis de Incentivos Fiscais. Esse cinema é produzido através do patrocínio público e privado, mas com produções superfaturadas em que todo mundo leva um dinheirinho – todo mundo fica feliz – o filme é feito e fica duas semanas em cartaz, em média. BELA MERDA!

Os rostos são quase sempre os mesmos – assim como os técnicos são quase sempre os mesmos – os roteiristas, os continuistas, os fotógrafos etc. Muitos filmes não passam de televisão filmada – novelas transpostas para tecnologia cinematográfica. O meio cinematográfico sabe quem são os nomes que fazem, todo verão, uma besteira qualquer para ganhar dinheiro e dizerem que são cineastas. Depois aparece ator global na telinha só para agradecer ao público os fantásticos números de bilheteria.

Acredito que a ditadura estética da arte no Brasil virou um câncer e o pior é que esse câncer não mata. Imagine viver com um câncer que não mata? Imagine acordar todos os dias e saber que se tem câncer? Às vezes, pior que morrer é saber que se está doente – que irá sofrer, agonizar – mas a paz da morte jamais chegará, pois seu sofrimento é a alegria de alguém. De quem? Drummond imortalizou seu ‘câncer’ no poema José. “Se você morresse, mas você é duro – você não morre, José!”

O cineasta Jean Luc Godard disse certa vez. “A arte é a exceção e a cultura é a regra. O dever da regra é matar a exceção.”  Penso que no cinema também exista a ditadura estética, mas se fosse só a estética ainda estaria bom. Vejo no cinema brasileiro atual uma exclusão social. Cinema é uma arte cara e não importa o quanto o artista (e arte é dom) nasça talentoso – não importa o quanto o cineasta tenha nascido para o cinema, sem dinheiro ele jamais filmará nada no Brasil. Cineasta pobre é como se fosse um câncer. Mas ele é duro, ele não morre!

A retomada do cinema brasileiro, pós-década de 90, trouxe bons resultados – não podemos negar. Mas não acredito que vá render frutos promissores. A “indústria” atual está construída para isso que está aí. Alguns nomes, inegavelmente de talento, ligados a publicidade – com forte poder financeiro ou com fácil acesso a pessoas que tenham esse poder – fazem filmes com uma certa regularidade, exibem quando, como, e onde querem seu filmes – ganham algum dinheiro, ganham status – enquanto 95% dos cineastas brasileiros ficarão sonhando em um dia fazer cinema. Só sonhando. Sonhando por toda a eternidade. Dá para acreditar?

Por um cinema mais justo e por uma indústria cinematográfica brasileira (de verdade) sou favorável à descentralização cinematográfica não só por estilos, algo que é defendido e exaltado pelas pessoas que estão no poder dessa arte no país. Mas também a descentralização de idéias, patrocínios, produção, distribuição e exibição. A idéia é ampla e bastante aberta para sugestões e contribuições ideológicas. Acredito que termos só a estrutura atual fará do Brasil um país de Lima Barreto, Anselmo Duarte, Glauber Rocha, Hector Babenco (brasileiro ou argentino?!), Walter Salles e Fernando Meirelles. Mas não são 108 anos? E os outros nomes?

Fico pensando por que o Estado não pode dar benefícios fiscais para que empresas de arte (produtoras, distribuidoras e salas de cinema) se instalem em lugares de São Paulo (também outras cidades), onde o Estado deseja fazer uma restauração, reestruturação, repovoamento etc. Em São Paulo a região da Boca do Lixo virou lugar de tráfico e consumo de drogas – cortiços e favelas verticais. Ninguém quer morar ou trabalhar ali. Por que não poderia ser incentivada a abertura de empresas de cinema na região novamente? Seria A VOLTA DA BOCA DO LIXO. Seria cult, não seria?! Marketing espontâneo não faltaria.

Com as empresas se instalando ali – com bases de segurança sendo instaladas na região – com a vinda de pessoas do meio artístico para o local, casas de espetáculos – com cinemas de ruas funcionando em horário comercial etc. São Paulo é uma das 5 maiores cidades do mundo e quem quer assistir um filme no cinema tem que esperar dar 14h00. Por que não se faz salas de rua que abram às 8h00 e fechem às 17h00?

Mas essas são sugestões apenas. Poderíamos conversar – poderíamos pensar cinema de uma forma mais ampla – poderíamos pensar a arte no Brasil de uma forma muito mais ampla. Arte é algo visceral. Arte tem que ter pluralidade. Arte tem que ter sofrimento e amor. Parafraseando o poeta ou adaptando pensamentos dele: a arte tem que ser dura sem jamais perder a ternura. Portanto, ao primeiro momento meu raciocínio pode parecer contraditório – mas não é. DEFENDO A CRIAÇÃO DE UMA INDUSTRIA CINEMATÓGRÁFICA NO BRASIL PARA TERMOS O CINEMA COMO ARTE TAMBÉM E NÃO APENAS COMO ENTRETENIMENTO E APLICAÇÃO FINANCEIRA. Será que me fiz entender?

O cinema brasileiro, como está, é bonitinho – não nego – mas é ordinário PRA CARALHO!

*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.

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