quinta-feira, 18 de abril de 2013


Os comunistas de 64

* Por Amilcar Neves

Em 1964 havia comunistas no Brasil. Assim como negros, homossexuais, pobres, mulheres, evangélicos, estadunidenses, índios, integralistas e políticos corruptos.

A partir daquele 1º de abril, os militares que subverteram a ordem institucional, rasgando a Constituição e derrubando pela força dos dólares o governo democraticamente eleito, criaram a categoria dos subversivos, apelido que deram a quem se opunha ao golpe e à ditadura que se impôs sob as bênçãos do empresariado nacional e multinacional. Os ditos subversivos foram implacavelmente perseguidos e afugentados do País; mais tarde, passaram a ser presos, torturados e assassinados sem direito a defesa nem julgamento. A barbárie triunfava.

Já os corruptos foram divididos em dois grupos, o dos amigos e o dos inimigos. Os inimigos receberam tratamento similar ao dos subversivos, enquanto os amigos financiavam o novo regime e lucravam ainda mais com a supressão das liberdades, a ausência de fiscalização e a impossibilidade de denúncias. Adhemar de Barros, governador de São Paulo, foi um dos importantes líderes civis do golpe cinicamente chamado, pelo Sistema militar, de "revolução democrática"; sua marca nas campanhas políticas apoiava-se em dois verbos: "rouba mas faz". Era um contraponto aos políticos gananciosos que "só" roubam sem fazer nada pelo povo.

Adhemar era o pai político de Paulo Maluf, o qual já existia na época. A diferença entre eles é que Adhemar queria ser presidente e preparava sua candidatura para as eleições de 1965, enquanto Maluf só pensou em presidência bem depois; assim, ele podia continuar corrompendo que não atrapalhava os planos da "revolução redentora", outro cinismo do Sistema. Não era o caso de Adhemar, cassado porque os militares não precisavam de amigos com aspirações ao poder. Carlos Lacerda, outro civil instigador do golpe, foi preventivamente cassado pelo mesmo motivo: arvorar-se em candidato à Presidência. Até que, pensando melhor, o Sistema resolveu pelo óbvio: cassar as eleições diretas em si, pois é mais fácil e mais barato manipular e pressionar o povo do Congresso do que o povo do Brasil.

Ali pelo entorno do ano 2000 frequentei muito o Distrito Federal devido a obrigações profissionais. Passava, a cada vez, de 20 a 30 dias direto em Brasília e lá conheci muita gente. Abundavam coronéis da Reserva por tudo o que era lado, sempre em funções de peso em empresas de "consultoria". Com um deles travei conhecimento mais longo e às vezes conversávamos noite adentro. Ele me contava do seu tempo de capitão do Exército, quando atuou anos em uma unidade responsável por coisas como "operações de guerra irregular, reconhecimento especial, contrainformação e contraterrorismo".

- Aquela bandeira enorme do Partido Comunista - ele contava, gaiato -, fixada na torre da Central do Brasil no comício do dia 13 de março de 1964, a gota d'água para a deposição do Jango, foi obra minha e do capitão XYZ: subimos lá no alto e pregamos o pano vermelho. Aliás, a maior parte das faixas e bandeiras do PC erguidas durante o comício foi levada por gente minha, infiltrada na multidão.

"As bandeiras vermelhas pedindo a legalização do PC, as faixas que exigiam a reforma agrária, etc. foram vistas pela televisão, causando arrepios nos meios conservadores", diz o historiador Boris Fausto no livro História do Brasil. Foi uma provocação. Os militares acusaram João Goulart de tentar um golpe comunista. Quinze dias depois, o presidente foi deposto.

·                 Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.


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