quinta-feira, 25 de abril de 2013


O Tropicalismo em Pernambuco

* Por Renato Contente

Senhoras com laquê nos cabelos e senhores engravatados, ambos com convicções tradicionais tão firmes quanto o penteado das senhoras, devem ter ficado atônitos ao ler o Jornal do Commercio de 20 de abril de 1968, num sábado, há 45 anos. Na página 3, ao lado dos filmes do dia, um título inusitado provocava os leitores de um Recife essencialmente conservador: Porque somos e não somos tropicalistas. Circulava na cidade o primeiro manifesto tropicalista do Brasil, um ataque feito a seis mãos contra a repressão e caretice vigentes em um País cercado pela ditadura militar. Um recado fragmentado em nove itens para as tais “pessoas da sala de jantar”, que como na canção de Caetano e Gil, são ocupadas em nascer e morrer.

A noite anterior à publicação havia sido de festa no bar do Alves, no Mercado da Encruzilhada, onde o jornalista Celso Marconi, o professor Jomard Muniz de Britto e o músico Aristides Guimarães foram celebrar depois de assinar o documento na galeria Varanda, em Olinda. Os rostos dos três estavam lado a lado – com Celso sendo “enforcado” por Jomar e Aristides – na foto histórica que ilustrava a capa do JC no anúncio do manifesto, publicado na íntegra no dia seguinte. O texto trazia porções de ácido no laquê das senhoras desde o primeiro ponto, em que criticava o marasmo cultural da província (“Por que insistimos em viver a dez anos da Guanabara e a um século de Londres? Por fidelidade regionalista? Por defesa e amor às nossas tradições?”). Ainda pediam: “A vanguarda contra a retaguarda! A loucura contra a burrice! O impacto contra e mediocridade! O sexo contra os dogmas! A realidade contra os suplementos! A radicalidade contra o comodismo! Tropicalistas de todo mundo, uni-vos”.

A postura dos rapazes foi criticada e renegada pela província, que associava a atitude transgressora à homossexualidade, ainda um monstro marginal no Recife de 1968. Se Celso Marconi foi recepcionado na redação do jornal com uma uivada de “Bicha!” (sarro dos colegas, lembra), Aristides, à frente do grupo tropicalista Laboratório de Sons Estranhos (LSE), chegou a ser perseguido na Ponte Duarte Coelho, no Centro, mas por sorte escapou num táxi. “Sentíamos a necessidade do novo. Com uma máquina de escrever, em minha casa, em frente ao Hospital Militar, datilografamos o manifesto em revelia à tal fidelidade regionalista”, lembra Jomard.

Celso, ainda amigo de Jomard, embora estejam afastados, explica que o movimento é uma ideia que passa pela Semana de Arte Moderna de 1922, encabeçada por Oswald e Mário de Andrade. “É algo que tem uma continuidade. Tanto nós, pernambucanos, quanto Caetano e Gil, nos engajamos a uma forma de pensar fora de qualquer molde acadêmico. Ser tropicalista era, antes de tudo, ter uma postura contestadora da realidade”, defende o jornalista, cuja casa em Olinda era a sede para as célebres festas tropicalistas. Pedro Marconi, filho de Celso, tinha por volta de 10 anos à época, mas lembra bem do que tocava no toca-discos das festas: Beatles, Caetano, Gil, Rolling Stones, João Gilberto.

Publicado no Jornal do Commercio, Recife, em 20/4/2013

* Jornalista

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