domingo, 28 de abril de 2013


Laércio Villar: som, talento e magia

* Por Marcos Alves


O Brasil nos encanta em tudo que representa a criatividade e originalidade do seu povo. E nos decepciona sempre que parte dessa criatividade e talento ficam esquecidos ou impossibilitados de exercer seu brilho. A Cultura geralmente nos chega como arte póstuma, desinteressante, nos livros d’ história ou em coletâneas cada vez mais duvidosas. Melhorou muito com a revolução digital, mas não o bastante para recuperar décadas de descaso.
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São milhares de casos que se ouve por aí de gente com talento suficiente para viver da própria arte, e que jamais chega a sobressair-se a ponto de se extrapolar os limites das relações pessoais. Acompanha-se o trabalho do artista em vida e só. Com isso ficam poucos registros. Às vezes chegam a valer uma fortuna.

Gente que arrebentou e pouca gente conhece. Não há acervo. Não temos aquilo que poderíamos chamar de Instituto de Preservação do Talento Nacional. As leis de incentivo à Cultura são um passo importante, porém relativamente novo e de difícil prognóstico. O melhor é que a arte seja financiada por muitos, para reduzir o risco da intervenção indesejada no trabalho.

“Mas iniciativas vez em quando surgem por aí, de pessoas e organizações com gosto especial pela coisa e... lá vem Laércio Villar mais uma vez, para alegria das coisas da música!. Em Ouro Preto – palco digno de uma viagem a bordo do talento desse monstro da bateria. Salve Laércio!”

Essa foi a chamada de um cartaz sobre o show do baterista Laércio Villar em Ouro Preto, no final de 2003. Conheci Laércio no começo dos anos 90 em Belo Horizonte, em uma república – algo bem ouro-pretano por sinal! E posso dizer que assistir com ele à simples apresentação de uma banda qualquer na TV valia por uma aula de Filosofia: a conversa começava no som e depois se estendia por personalidades do mundo, conjuntura, estilo de vida, quase sempre terminando com um prato noturno para espantar a larica.

Laércio aparecia de vez em quando, geralmente quando tinha alguma apresentação em BH. Ele residia em Moeda, e para lá voltava no dia seguinte ao show. Mas deixou em nós uma marca inextinguível dessa época, entre o final dos anos oitenta e a primeira metade dos noventa.

Na época eu, então estudante de Jornalismo, me meti a fazer um artigo sobre o Laércio como trabalho da faculdade. Parte desse texto foi usada na produção do show em Ouro Preto. Vou reproduzir alguns trechos aqui – por terem sidos ditados em pessoa, por Laércio Villar e porque ajudam a reproduzir um pouco da personalidade desse mestre, e também da atmosfera daquele lugar.

Em Laércio Villar, a música está nos gestos, convicções, posicionamentos. Quase tudo o que diz tem que ser traduzido do ”Musiquês” para o Português. “A falta de harmonia é o mal maior do mundo”, define. Sobre o tom das conversas em Brasília, aponta: “A maioria dos políticos brasileiros desafina!”

 A complexidade das seqüências musicais do Jazz é definida em frases como: “O endereço é o mesmo”. E se vê uma banda ou cantor esticando sempre a mesma nota, repetindo aquele refrão interminável, manda sorrindo: “Estão cozinhando o galo”.

Laércio escolheu ou foi escolhido pela música – e a ela dedica a vida. Sofre com as dificuldades que acabam resvalando no lado pessoal. Como outros grandes artistas sentiu a falta de traquejo com os negócios. Nunca achou graça em fazer música “comercial”.  Por vezes o vi com os olhos embargados confessar que ficava “um tanto perdido e desesperançado”.

É considerado um músico ousado pela crítica, e um gênio pelos colegas de profissão. Tocou com Wagner Tiso, Neném (baterista) e ainda se apresenta bem acompanhado, como no show em Ouro Preto, quando tocou ao lado do baixista e tecladista Enéias Xavier. Foi quando o vi pela última vez e me parecia bem disposto, sorridente e gentil como sempre.

Estava ao lado da família, e exibia aquela aura dos mestres, logo depois de uma exibição. Espero encontrá-lo novamente para renovar a conversa. Quem sabe dar seqüência ao projeto Ouro Preto. Uma pena não haver outra forma de vê-lo – ou melhor, ouvi-lo tocar. Laércio é artista fora de catálogo. Ninguém sabe, ninguém viu.

* Marcos Alves é jornalista. Formado em Jornalismo pela Fafi-BH, atual UNI-BH, em Belo Horizonte.


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