terça-feira, 30 de abril de 2013


Fisgados pela ganância

A crise do “Encilhamento”, que afetou o Brasil em fins do século XIX, no governo do primeiro presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca, hoje é classificada pelos economistas de “bolha econômica” que, tão logo estourou, desarranjou a economia brasileira por muitos anos e retardou, em décadas, o desenvolvimento nacional. Da minha parte entendo que a denominação adequada para esse processo, que volta e meia se repete, em várias partes do mundo, com resultados igualmente desastrosos –  legalizado pelo decreto de 17 de janeiro de 1890, assinado pelo então ministro da Fazenda, Ruy Barbosa – caracterizou, isto sim, uma megafraude, que trouxe incontáveis prejuízos a milhares de pessoas de boa fé que foram fisgadas pela ganância.

Responda com franqueza, inteligente leitor: você considera normal e minimamente aceitável a venda de ações de empresas existentes apenas nos registros oficiais, sem sequer terem endereço que não fosse frio, que não tinham nem terreno, quanto mais instalações industriais, vendidas como sendo de empreendimentos existentes de fato e de enorme potencial de lucratividade? Eu não!!! Para mim, isto é pior do que o folclórico conto do vigário ou fraude similar *muito pior por sinal). O pior é que esses papeis tinham o aval do governo, o que os tornava atrativos e “confiáveis”.

Os mais espertos (sempre os há), compravam-nos, esperavam que se valorizassem (e alguns, dada a especulação, chegavam a decuplicar de valor em questão de dias) e vendiam-nos na alta, auferindo lucros para lá de exorbitantes. Já os incautos, muitas vezes julgando-se experts em finanças, ficavam com o mico na mão, acreditando que, se haviam se valorizado tanto, se valorizariam muito mais. Quando se davam conta... viam todas as economias escoarem pelo ralo.

Guardadas as devidas proporções, o encilhamento pode ser comparado à tal “bolha imobiliária”, que derrubou a economia dos Estados Unidos e que se refletiu diretamente na Europa, gerando a atual crise que ninguém sabe se, quando ou como vai acabar. O próprio apelido popular desse processo sugere por si só ação fraudulenta, destinada a enganar ingênuos. O real significado de “encilhamento”, na época, era o de “marmelada”. Foi emprestado das corridas de cavalo, popularíssimas em um período em que não havia ainda o futebol, como conhecemos hoje, arualmente grande paixão nacional.

A “jogada” do turfe, que caracterizava o comportamento nomeado com essa expressão de gíria, era muito simples. Alguém apostava determinada quantia em algum cavalo azarão, desses pangarés que sempre chegam nas últimas colocações, afirmando que tinha informações seguras de cocheira que ele iria ganhar. Um bando de ingênuos embarcava nessa onda, enquanto o espertalhão fazia aposta em separado no verdadeiro favorito. Claro que ganhava. Perdia certa quantia apostada no animal mambembe,  mas lucrava muito mais com a segunda escolha, no verdadeiro campeão.

O financista Leopoldo de Bulhões, citado por Afonso Taunay em seu livro “O Encilhamento: cenas contemporâneas da Bolsa do Rio de Janeiro em 1890, 1781 e 1892” (Editora Melhoramentos), observou, sobre o decreto de 17 de janeiro de 1890: “A medida decretada por Ruy Barbosa convertendo as apólices da dívida pública em papel moeda fez desaparecer uma dívida para criar outra muito mais onerosa”. Ao mesmo tempo em que os bancos ganharam poder de emitir papeis com valor monetário, o governo passou a garantir juros altíssimos, e portanto atrativos, aos investidores.

Criou-se, pois, uma “ciranda financeira” infernal, como a do fim do governo de José Sarney, que o Plano Brasil Novo interrompeu abruptamente em 16 de março de 1990. Como se vê, o País atravessou exatos cem anos tendo na especulação predatória recurso muito mais atrativo do que o trabalho dedicado, responsável e produtivo. Títulos de todos os tipos passaram a ser cotados em valores fantásticos, Circulavam como se fossem dinheiro e eram aceitos como tal. A mentalidade que predominava podia ser resumida por um famoso ditado que diz: “Cavalo encilhado não passa duas vezes”. Não havia nenhum investidor que não visse no encilhamento oportunidade de enriquecer rápida e facilmente e de assegurar seu pé de meia para o futuro. Ah, ganância, maldita ganância!

A moeda então – como voltaria a ocorrer cem anos depois, no governo José Sarneu, por causa da hiperinflação – deixou de ser atrativa. Foram criadas sociedades anônimas em profusão, para os mais variados tipos de negócio. Muita gente, até, abriu empresas de boa fé, mesmo sem ter vocação ou competência para tocar tais empreendimentos. Afinal... havia a garantia do governo. Havia mesmo?

É claro que essa loucura redundou em monumentais fracassos, em falências espetaculares e rumorosas, e em enorme complicação econômica para o País. Aquilo não poderia dar certo, como de fato não deu. Mas na onda dos honestos, indústrias fantasmas surgiram por todas as partes. Eram emitidas ações, reitero, de empresas industriais que não tinham sequer terrenos, mas que eram apregoadas como grandes tecelagens, promissoras fundições, sólidas fábricas de bens de consumo etc. etc. etc, E os incautos caíam como patinhos no monumental golpe. Afinal... os papéis tinham a garantia do governo.

Não tardou muito, porém, para que o sonho (na verdade pesadelo) terminasse. Essa infernal ciranda durou até 1892. Logo o papel moeda se multiplicou tanto, tão vertiginosamente, mas sem que tivesse o correspondente lastro ouro, que perdeu quase todo seu valor. Como conseqüência lógica, a inflação foi às alturas, alcançando taxas estratosféricas. Os preços, principalmente os dos gêneros alimentícios, foram às nuvens. Como se vê, foi – como se tornaria rotina no País – a população que pagou o preço daquela loucura, daquele delírio, daquela mazela (que da minha parte insisto em classificar de megafraude) do governo.

Não demorou nada para que ocorresse um previsível e lógico “crash” na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a então capital federal do Brasil. Uma onda de falências espalhou-se por todas as partes, criando um clima misto de pânico e de revolta. Os prejuízos, para os que acreditaram na possibilidade do País queimar etapas no desenvolvimento, foram irreparáveis (como foram imensos os lucros dos espertos especuladores). A situação econômica e financeira do Brasil, interna e externa,  agravou-se demais. E durante décadas e mais décadas ninguém mais quis sequer ouvir falar em ações e, consequentemente, em sociedades anônimas, no País. Pudera!

Boa leitura.

O Editor.

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