quinta-feira, 25 de abril de 2013


Dia mágico de Outono

A Primavera é, amiúde, decantada em verso e prosa como a estação mais bela do ano. Discordo. Para mim, o Outono é que tem esta primazia. Pelo menos na cidade em que vivo, aqui em Campinas, é assim. O destaque dado à Primavera certamente é influência de escritores do Hemisfério Norte, notadamente de poetas, que são os que se mostram mais atentos a estas coisas abstratas (abstratas?), É verdade, óbvio, que a beleza não é propriedade deles. Aliás, não é de ninguém. É um bem comum, à disposição de quem queira, ou saiba regalar-se com ela.

Todavia, são os poetas que mais a valorizam. Pudera! São eles que se alimentam de beleza. Comparo-os a abelhas que transformam o pólen do que é belo em dulcíssimo e nutritivo mel. No Hemisfério Norte o Outono é feio. É cinzento, chuvoso, sombrio. Testemunha a natureza despir-se dos seus encantos. de suas flores. É quando as árvores perdem suas folhas. Não raro, essa estação, ali, até antecipa, mesmo que em alguns dias, o início do inverno. Em alguns lugares, nessas latitudes, chega mesmo a nevar nos últimos dias do Outono.

 “Bem”, dirá o crítico mordaz (o eterno chato que vê defeitos em tudo), “aqui no Hemisfério Sul essa estação também antecede o período mais frio do ano”. É verdade. Mas, principalmente nestes abençoados trópicos, onde “em fevereiro tem Carnaval”, nosso inverno não pode ser, nem remotamente, comparado ao que se verifica no outro lado do mundo. Para os habitantes de lá, o que para nós é intenso frio, não passa de temperatura. Se não tépida, ao menos amena, como a de início de verão.
Insisto que aqui em Campinas – e em tantas outras regiões do Brasil – é o Outono que está revestido da beleza que, para os europeus, norte-americanos e habitantes de alguns países asiáticos, se manifesta, com todo esplendor, na Primavera.

Tomo como exemplo o dia de hoje, Esta quinta-feira é tão bela, tão agradável e tão luminosa que quero, de alguma forma, retê-la e perpetuá-la,para que jamais termine. Impossível, claro! Fotografias ou filmes até podem reter sua beleza, mas só a visual. A sensorial fatalmente vai se perder. A temperatura agradável, a suave brisa e, sobretudo, o sutil aroma das flores do meu jardim logo vão se esvair. A única forma de retenção deste dia é guardá-lo na memória. Mas então não estará mais vivo, porém ficará como aquelas borboletas de colecionador.

O céu está azul, azul... Tem tonalidade de causar inveja aos mais consagrados mestres da pintura de todos os tempos, peritos, entre outras coisas, em misturar cores. E com tamanha competência, que chegam “quase” a reproduzir a realidade. Mas somente quase. Falta alguma coisa na mistura para obter o brilho, a profundidade e a pureza deste anil que caracteriza a cor do céu neste início de tarde de quinta-feira, de um luminoso dia de outono. Embora eu goste de escrever e faça da escrita mais do que missão, fonte inesgotável de satisfação, a última coisa que eu gostaria de estar fazendo, agora, seria estar fechado em meu gabinete de trabalho, à frente da telinha do computador, juntando letras, palavras, sentenças para compor textos. Inclusive este.

Gostaria, isto sim, de estar, neste momento, caminhando ao sol, pés descalços e braços nus, livre e solto, concedendo lauto banquete de satisfações sensoriais aos sentidos, sem nada pensar ou querer. Nós, humanos, somos tolos. Trocamos satisfações naturais, gratuitas e ao nosso dispor, por tolas preocupações que nos parecem sumamente importantes, embora não tenham a menor importância. E, pior, por pueris ambições que, após satisfeitas, nos deixam somente o vazio e o tédio na alma. Nossa noção de importância é distorcida e equivocada.  

Esta quinta-feira de Outono é como Mário Quintana descreveu como “dia perfeito”, no poema “O milagre!:
      
“Dias maravilhosos em que os jornais
vêm cheios de poesia...
e do lábio do amigo
brotam palavras de eterno encanto...

Dias mágicos...
em que os burgueses espiam,
através das vidraças dos escritórios,
a graça gratuita das nuvens...”

Hoje, ao meu redor, está assim. Tolice minha, porém, querer reter esta quinta-feira perfeita. Nem é necessário. Provavelmente, amanhã terei reprise dela, com outro nome (claro) e com possibilidades de poder usufruir um dia ainda melhor, desde que me predisponha a esse gozo, Desde que deixe de lado preocupações mesquinhas e ambições sem futuro. Desde que cale a voz da razão e me entregue, mesmo que por breves instantes, ao comando exclusivo, primitivo e instintivo dos sentidos. Só assim poderei ter, também, na sexta-feira, algo como o que foi descrito por Cecília Meirelles no poema “Os dias felizes”:    

Os dias felizes estão entre as árvores como
os pássaros:
viajam nas nuvens,
correm nas águas,
desmancham-se na areia.

Todas as palavras são inúteis,
desde que se olha para o céu.

A doçura maior da vida
flui na luz do sol,
quando se está em silêncio.

Até os urubus são belos,
no largo círculo dos dias sossegados.

Apenas entristece um pouco
este ovo azul que as crianças apedrejaram:

formigas ávidas devoram
a albumina do pássaro frustrado.

Caminhávamos devagar,
ao longo desses dias felizes,
pensando que a Inteligência
era uma sombra da Beleza”.

Por essa e por outras é que amo, de paixão, o Outono, em detrimento da Primavera, usualmente decantada em verso e prosa por cronistas e por poetas. Tenho ou não tenho razão^!

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Entre uma consulta e outra que não chega a dez segundos de intervalo, espio a vida pela greta da persiana e penso em como a vida passa lá fora e como eu, no meu canto de trabalho não tenho dia nem noite. São 34 anos entregue a esse labor. Vista por esse ângulo a vida pode parecer uma grande estupidez.

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