segunda-feira, 29 de abril de 2013


A República dos Banqueiros

O decreto que criou o que ficou conhecido como “encilhamento” – gíria emprestada do turfe que significava algo equivalente a “marmelada” em apostas de corridas de cavalo – foi muito mais amplo do que simplesmente permitir aos bancos que fizessem emissões de moeda e de apólices da dívida pública em dobro dos respectivos lastros de ouro. Ele foi baixado em janeiro de 1890, sendo que o ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, assinou-o na calada da noite, sem consultar ninguém, sequer seu superior hierárquico, no caso o presidente Marechal Deodoro da Fonseca. A forma como esse dispositivo legal foi posta em prática gerou grande escândalo político, um dos tantos de um período com fartura deles, tanto pala maneira como ocorreu, quanto e principalmente por seu teror e posteriores consequências.

O primeiro ministério da República ficou dividido a esse respeito. Parte fez vistas grossas ao decreto, parte aprovou0o, posto que com relutância e restrições, mas dois importantes ministros – Demétrio Ribeiro e Campos Salles –  opuseram-se vigorosamente a ele. Em bão! Ainda assim, a medida acabou sancionada. Antes não o fosse. O decreto trazia uma lista enorme de concessões aos bancos, descaracterizando, inclusive, sua atividade essencial e dando-lhes um poder virtualmente ilimitado para atuar na economia brasileira em todos seus setores a ponto do próprio regime que sucedeu à monarquia ser chamado, pejorativamente, por vastos setores da imprensa, de “República dos Banqueiros”. E foi, de fato, no que o País se transformou nesse lamentável período.

O curioso é que Ruy Barbosa foi escolhido como ministro da Fazenda, na composição do primeiro ministério republicano, exatamente por manifestar, publicamente, intransigente e firme oposição a esse sistema que implantou, urdido na gestão do último gabinete monárquico, o do Visconde de Ouro Preto, mas que entrou em vigor, apenas, dois meses após a proclamação da República, com a sanção do infeliz decreto. E este foi muito mais amplo do que o originalmente concebido no fim do regime anterior. Era tão danoso, que a então Província de São Paulo não aderiu, por completo, aos seus termos.

Por intervenção decisiva de Campos Salles, os paulistas criaram uma espécie de “banco regulador” para impedir os desmandos das demais instituições bancárias existentes e que viessem a ser criadas. Mas, no restante do País, a medida vigorou integralmente, sem que os bancos tivessem qualquer tipo de fiscalização ou de restrição. Os banqueiros estavam com a faca e o queijo nas mãos, para atuar a seu bel prazer. O que levou Ruy Barbosa a agir como agiu, inclusive contra o que tantas vezes apregoou que era contrário às suas convicções? Ele nunca explicou. Não, pelo menos, de forma convincente.

Pelo artigo 2ª do decreto, por exemplo, os bancos obtiveram a faculdade legal de operar nas seguintes áreas:

a) empréstimos, descontos e câmbio; b) Hipotecas a curto e longo prazo; c) Penhor agrícola sobre frutos pendentes, colhidos e armazenados; d)Adiantamentos sobre instrumentos de trabalho, máquinas, aparelhos e todos os meios de produção das propriedades agrícolas, engenhos centrais, fábricas e oficinas: e) Empréstimos de caráter e natureza industrial para a construção de edifícios públicos e particulares, e de ferrovias e outros, docas, melhoramentos em portos, telégrafos, telefones e quaisquer outros empreendimentos industriais: f) Comprar e vender terras, incultas ou não, parcelá-las e demarcá-las por conta própria e alheia; g) Encarregar-se de assuntos tendentes à colonização, fazendo os adiantamentos necessários, mediante ajustes e contratos  com os colonos ou terceiros interessados; h) Incumbir-se por conta própria ou alheia do dessecamento, drenagem e irrigação do solo; i) Tratar do nivelamento de orientação de terrenos, abertura de estradas e caminhos rurais, canalização e direção de torrentes, lagoas e rios e facilitar os meios necessários, mediante ajuste e condições, a qualquer cultura, criação de gado de todas as espécies e exploração de minas, principalmente de carvão de pedra, cobre, ferro e outros metais; j) Efetuar todas as operações de comércio e indústria por conta própria e de terceiros.

E olhem que este era apenas UM dos artigos (o 2ª) do malfadado decreto. Sequer destaquei a principal prerrogativa concedida às instituições de crédito, ou seja, a de emitir moeda e rótulos da dívida pública no dobro da quantidade de lastro ouro que dispusessem, limite este jamais respeitado. Com todas essas facilidades e atribuições, não é de se admirar, portanto, que, num único ano, o de 1890, surgissem 33 novos bancos só na cidade do Rio de Janeiro!!! E todos podendo emitir dinheiro o quanto quisessem. Nem é necessário ser economista para prever que essa “farra monetária” não terminaria bem, não é mesmo? E, de fato, não terminou.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Minas também criou muitos bancos. Acredito que ainda restem sinais dessa loucura econômica. Possivelmente ainda estamos pagando por isso. A seriedade da nossa política monetária parece ter melhorado um pouquinho.

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