quarta-feira, 27 de março de 2013


Soltando os cachorros (Para depois prender de novo)

* Por Fernando Yanmar Narciso

Convido vocês a pensar por alguns segundos na seguinte hipótese: E se cada um de nós estivesse, na verdade, devendo um pedido de desculpas aos 38 condenados no julgamento do mensalão, ou, para ser mais específico, ao maquiavélico, diabólico e antropófago José Dirceu? Estou ciente que essa pergunta me tornaria digno de uma internação no manicômio, mas ela não deixa de ser plausível, afinal somos todos inocentes até que o contrário seja provado.

Assim como boa parte do país, me deixei levar pela emoção. O julgamento mais pareceu uma novela, logo o efeito Nina foi inevitável, pois a palavra da moda no ano passado foi vingança. E agora que a poeira baixou, podemos pensar naquela situação com mais calma.

Por mais que o tema tenha sido discutido, que tenhamos adorado acompanhar os arranca-tocos entre Joaquim “herói da nação” Barbosa e Ricardo “rei do ego” Lewandowski no STF, e que o povo brasileiro tenha tido orgasmos múltiplos com a frenética condenação dos réus, para alguns de nós a conta ainda não fechou.

Desde 2005, quando o “salvador da pátria” Roberto Jefferson denunciou o esquema à Folha de São Paulo, a maioria de nós só sabe o que a imprensa nos conta sobre o mensalão. E sabemos bem de que lado a imprensa está... Jornais, revistas e blogs direitistas se esbaldaram nos últimos anos, tacando pedras em brasa no governo do PT, como se a direita fosse pura e angelical, e os petistas tivessem inventado a corrupção. Mas o povo não é mais tão inocente como outrora.

O desejo de retaliação da direita era compreensível, pois desde a ditadura militar, os “partidos do povo” não se cansavam de apedrejar a Globo e o governo, muitas vezes de maneira injusta. No entanto a jogada da grande imprensa não funcionou como esperavam, pois o Brasil resolveu virar as costas em definitivo para os partidos, sejam de esquerda ou de direita.

Vamos refletir um pouco. Desde quando apresentava o pioneiro programa- baixaria O Povo na TV ao lado de Christina Rocha e Serginho Mallandro no fim da década de 70, Roberto Jefferson não podia ser considerado um homem de confiança. Sua fama de Coringa do planalto ficou evidente em seus embates com Dirceu na CPI. Ele parecia estar ali só para irritar e curtir com a cara do ex-ministro, tanto que uma reportagem da época mostrou que, no dia em que Zé teve seu mandato cassado, Jefferson cantava ópera em seu apartamento para “homenageá-lo”. Quer prova maior de que não dá para levar ele a sério? Ainda acho que ela aparecerá um dia na TV, dizendo RÁ! PEGADINHA DO ROBERTO!

Ah, aquele julgamento foi delicioso... Sessões e mais sessões de ministros apontando o dedo e acusando sem descanso. Eles se aproveitaram do fato de os réus não precisarem estar presentes ao julgamento para encerar o chão com o sangue deles. E o povo embarcou nesse sonho de vingança com paixão, afinal nunca tínhamos visto gente poderosa sendo punida, nem mesmo por roubar pitomba do vizinho.

Em tal contexto, saber o que realmente foi o esquema do mensalão não tinha a menor importância para nós. Tanto que até agora, findo o julgamento e iniciada a espera angustiante por ver Dirceu & Cia subindo algemados no camburão, ninguém, além dos condenados, sabe o que realmente aconteceu. Jefferson conseguiu tudo o que queria. Acabou com Zé Dirceu, sua antiga desavença, arrasou a credibilidade do governo e do presidente, jogou o país contra o PT e deu a deixa para os repórteres e colunistas da Veja se esbaldarem.

Sem falar que levou o até então desconhecido publicitário Marcos Valério à beira da loucura. De todos os réus, nenhum recebeu uma pena mais exagerada que a dele. Porém é bom lembrar que, por mais detalhadas que as investigações tenham sido, tudo o que encontraram a respeito do tal mensalão foram indícios, nenhuma prova cabal e irrefutável. Até o próprio Jefferson se calou depois que o circo pegou fogo. O único pego literalmente com as calças na mão foi o assessor do irmão de José Genoíno, aquele dos dólares na cueca, mas as investigações do destino daquela dinheirama não continuaram. Talvez ele só tivesse um fetiche estranho de andar com dinheiro espalhado pelo corpo... E aquele dossiê dos aloprados? Que fim levou as investigações daquele caso? O que foi provado contra quem?

E o mais inacreditável: Mesmo sabendo que estão a ponto de ir para a prisão, era de se esperar que os quatro principais condenados dissessem qualquer coisa para tentar salvar os seus pescoços. Eu, pelo menos, contaria tudo desde o dia em que meus pais me conceberam. E por que eles não abrem o bico? Seria porque eles realmente não sabem de nada?

Por favor, não me vejam como um imbecil. É óbvio que aconteceu algo gravíssimo nos primeiros anos do governo petista, o problema é que, até agora, não sabemos afirmar o que foi. E, apesar de ter feito a pergunta, a simples idéia de pedir desculpas a José Dirceu pode provocar derrame cerebral. Mesmo com a quase nula possibilidade de ele ser inocente.


Um comentário:

  1. Posição corajosa levantar dúvidas sobre um fato que as pessoas pensam já saber tudo. Pelo tanto que foi falado, pouca gente se anima a questionar o veredicto final da lei. Acho interessante seu questionamento: e se não tiver sido bem assim? Existem o fato e as versões, assim como existem a história e a publicidade. Quem estará com a razão?

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