sexta-feira, 29 de março de 2013


Modo de orar


Há pessoas que não morrem jamais. Está certo, relativizemos esse “jamais”. Consideremo-lo no contexto rigorosamente humano. Digamos que não morram enquanto a humanidade existir. Assim fica melhor. A lógica é que a espécie, em algum momento, que ninguém sabe precisar qual, deixe de existir. É a lei inflexível do próprio universo. Estrelas e galáxias, por exemplo, um dia se extinguem, após alguns bilhões de anos de existência, determinando o fim de tudo o que orbite ao seu redor. Aliás, a afirmação mais correta é a de que se transformam. Mas deixam de ser o que são. A Terra – e por consequência, tudo o que há nela, vivente ou não – terá o mesmo destino. Quando? Não sei. Ninguém sabe! Pode ser hoje, como pode ser em um bilhão ou mais de anos.

Quando afirmo que há pessoas que não morrem jamais, com a devida ressalva que fiz na sequência, não me refiro ao aspecto físico (e o leitor inteligente certamente concluiu isso, sem que precisasse desta observação). O que sobrevive por um tempo – no caso, enquanto a humanidade existir – são suas obras, boas ou más. E mais, materiais ou espirituais. As do primeiro caso, as da matéria, extinguem-se primeiro, corrompidas pelo tempo. As do espírito têm mais chances de sobrevivência, pelo menos enquanto a espécie conservar a racionalidade e mantiver o que eufemisticamente chamamos de civilização. De qualquer forma, a afirmação de que há pessoas que não morrem jamais, no frigir dos ovos, é metafórica e é assim que deve ser encarada.

O físico Albert Einstein afirmou, em seu livro "Como Vejo o Mundo" (obra que recomendo, sem pestanejar, e que pode ser facilmente encontrada em qualquer livraria, em variadas edições): "É a pessoa humana, livre, criadora e sensível que modela o belo e exalta o sublime, ao passo que as massas continuam arrastadas por uma dança infernal de imbecilidade e embrutecimento". A condição dessas hordas humanas, atrasadas e carentes, é tão abjeta principalmente por carência (ou ausência) de educação, por falta de líderes esclarecidos que se disponham a guiá-las e por não terem o privilégio de contar com semeadores de ideias persistentes e mestres perseverantes. A espécie, à medida que se multiplica, e o faz de maneira incontrolável (já somos mais de sete bilhões de indivíduos)  carece, mais e mais e mais, de um número maior de pessoas "boas", altruístas, perspicazes e sobretudo abnegadas, pelo menos na mesma proporção do crescimento populacional.

Platão, em seus "Diálogos", enfatizou: "O bem não é essência, mas excede em muito a essência em dignidade e poder". Escrevi isso, recentemente, e reitero: “Não são os aparentemente poderosos que a humanidade reverencia através dos séculos. A reverência é destinada a humildes semeadores. Como Sidarta Gautama... Como São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi e Madre Teresa de Calcutá, entre outros... E, sobretudo, como o Deus que se fez homem, Jesus Cristo!”

Machado de Assis escreveu, em um de seus tantos e preciosos textos: “O louvor dos mortos é um modo de se orar por eles”. E qual a melhor maneira de louvá-los? Trazendo à baila suas obras, revivendo suas idéias e, sobretudo, passando-as adiante, transmitindo-as às novas gerações e motivando-as a agirem de idêntica forma. Além de louvar essas pessoas iluminadas, que dedicaram a vida a construir princípios, a exaltar a beleza e a exercer racionalidade – que é, na concepção do “Bruxo do Cosme Velho” uma forma de orar por elas – o melhor que podemos fazer é imitar seus exemplos (quando forem, claro, dignos de imitação). É uma maneira de tentarmos conquistar o tipo de imortalidade que esses nossos paradigmas conquistaram.

Muitos contestam esse esforço para a preservação de nossas idéias e obras, enfim, de nossa memória, para além da nossa morte. Que vantagens teremos, se não poderemos, sequer, testemunhar essa preservação? Respondo: nenhuma! Mas esse afã de lucrar, seja no que for, é atitude egoística. Quando nascemos, o mundo já estava prontinho ao nosso dispor, com suas contradições, imperfeições e aberrações, mas com suas obras, leis e princípios (embora, reitero, com o mal, a corrupção, as injustiças e a tirania, entre outras tantas coisas que o tornam tão ruim para a maioria). E esses construtores nada lucraram. Por que, pois, quereríamos nós lucrar?   

Cada gesto de amor ou de ódio, cada atitude de solidariedade ou de egoísmo, cada ato de construção ou de destruição, contam muito. Compõem nossa biografia. Justificam (ou não) nossa trajetória na vida. Entendo que ninguém veio ao mundo por acaso, somente a passeio, embora assim nos pareça e muitos ajam como se isso fosse a realidade. Todavia nossa finalidade, nosso papel, nossa missão não nos são revelados. Compete-nos descobri-los e realizá-los, lucrando com isso ou não. Aliás, não lucraremos, a longo prazo, nada, porquanto somos mortais. Jamais (e aqui a palavra cabe com exatidão) escaparemos da morte física. Poderemos ser lembrados num futuro distante como santos ou como demônios; como sábios ou como tolos ou então ser esquecidos para sempre, como se jamais tivéssemos existido (o que é sumamente mais provável).

Isto tudo vai depender, em grande medida, de nós e principalmente das circunstâncias que tivermos (que alguns chamam de destino e outros de acaso). Temos sempre o direito de escolha, embora poucos o exerçam com lucidez. Para isso, contamos (ao menos teoricamente) com o tal do livre-arbítrio. Contudo... temos que arcar, sempre, com as conseqüências das opções que fizermos e assumir, sozinhos, nossos erros, embora, em contrapartida, tenhamos a possibilidade, mesmo que remotíssima, de sermos premiados, louvados e reverenciados até pelos acertos. Por isso, o mais sábio – e já escrevi isso “n” vezes e faço questão de sustentar, até por coerência – é sempre apostar no amor, na justiça, na compreensão e na solidariedade. Alguém conhece opção melhor?

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Na memória coletiva o bem tem sido lembrado por mais tempo que o mal. A lista dos bondosos conhecida de todos é maior do que a dos malvados, embora a segunda lista seja bem maior.

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