sábado, 30 de março de 2013


Malhação de Judas

* Por Ana Deliberador

Aquele cão era especial.

Aonde o dono ia, estava por perto. Chovesse ou fizesse sol.

Se alguém se aproximasse de Anselmo de forma pouco amistosa, logo rosnava. Isso, se não atacasse de pronto. E só a voz do dono – “calma amigo!” – o deixava novamente dócil e carinhoso.

Se Anselmo precisava ir ao patrimônio, o cão corria atrás da montaria. Quando apeava, lá estava, ofegante, o seu amigo, grande amigo.

E, sem dúvida, Anselmo precisava de amigos. De temperamento esquisito, o homem de tez muito amarelada – sempre taciturno e escondendo-se pelos cantos – não era benquisto pelos outros moradores da fazenda. As crianças morriam de medo pois tinha fama de, durante a quaresma, transformar-se em lobisomem. Apesar de tudo, era um excelente peão e Zé Corrêa o tinha em boa conta.

Na fazenda também morava um amigo de Zé Corrêa, cuja mulher vivia arreliando o pobre Anselmo.

Cansado, Anselmo arquitetou um plano de vingança. Passou dias e dias construindo um boneco de pano, recheado de palha, em tamanho real. Vestiu-o com roupas velhas e esperou a quaresma chegar.

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Sexta-feira santa.

Amanhecia. O dia ia ser quente, céu muito azul. Uma ou outra nuvem, aqui, acolá.

Zé Corrêa, madrugador como sempre, foi à cozinha, coou o café e sentou-se próximo à janela.

Os amanheceres na fazenda eram magníficos. As casas, cercadas pelas árvores centenárias, o sol penetrando por entre as ramagens chacoalhadas pela brisa, salpicando aqui e ali milhares de pontinhos luminosos, até surgir, esplendoroso, qual enorme fogaréu, banhando de luz tudo e todos.

Suspirando, enlevado, Zé Corrêa levantou-se espreguiçando. Foi até a porta para chamar João, que morava com Maria na casa ao lado.

Deu de cara com um boneco enorme, pendurado na frente da casa do amigo. Olhou em volta procurando pistas do idiota que cometera tal desatino e logo descobriu: fora Anselmo!

Muito bravo seguiu em direção à casa do peão, lá pros lados do engenho.

Acordou-o, mal deixou que se calçasse e levou-o, a toque de caixa, em direção à casa.

Anselmo ficou apavorado. Fora descoberto! Era só olhar para o patrão para saber. E emprego bom como aquele não era fácil não!
Ah, seu Zé, o sinhor me descurpe. Prometo que num faço mais! – choramingava o pobre enquanto corria para alcançar o patrão, que não disse mais nenhuma palavra.

Chegando em frente ao Judas, Anselmo soube, de imediato, como fora descoberto: deitado aos pés do boneco, cuidando de suas roupas, estava seu mais fiel amigo!

* Professora,m pintora e escritora

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